A (des)valorização da democracia

A (des)valorização da democracia

A (des)valorização da democracia

26 Março 2021, Sexta-feira
Francisco Cantanhede

Há cerca de 10 mil anos, os seres humanos inventaram a agricultura e a pastorícia. Uma das consequências da prática destas atividades económicas foi a sedentarização. As casas foram construídas bem próximo umas das outras, surgindo as primeiras aldeias. Como nem todas as pessoas precisavam de se dedicar à produção, apareceram novas profissões como comerciantes e artesãos, ou seja, surgiu a divisão do trabalho. A população aumentou e foi-se organizando a nível social. As principias aldeias foram dando lugar às primeiras cidades.

Para administrar e proteger as cidades, surgiram os chefes políticos e funcionários administrativos. Geralmente, o chefe político era o chefe da família mais antiga e mais poderosa. Este foi ganhando prestígio e centralizando o poder, tornando-se rei. Os princípios igualitários que estiveram na origem e desenvolvimento das primeiras comunidades humanas, foram substituídos pelo mando de um só, muitas vezes, com poder sacralizado.

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Na Grécia Antiga, criou-se um novo regime político: a DEMOCRACIA- culminar de um logo processo. Inicialmente, Atenas foi governada por reis. Depois a cidade passou a ser governada por um pequeno conjunto de homens importantes originários da aristocracia. Estes aristocratas apoderaram-se de muitas terras, tornando-se riquíssimos. Como faziam empréstimos a pequenos proprietários, se estes não lhes pagassem as dívidas podiam perder tudo e passar a ser escravos. No início do século VI a.C., os cidadãos escravizados foram libertos, por decisão de Sólon. Em 514 a.C, Clístenes declarou que todos os cidadãos eram iguais perante a lei. Foi o início da construção da democracia na cidade-estado de Atenas. O novo regime foi consolidado graças à ação de Péricles no século V a.C. A democracia ateniense era uma democracia direta, pois todos os cidadãos tinham o direito de usar da palavra na Eclésia, assembleia onde se apresentavam, discutiam e votavam os projetos de lei; todos tinham o direito e o dever de desempenhar cargos políticos. Os que não mostravam interesse pela vida política da cidade, eram muito mal vistos pelos restantes.

Nos documentos curriculares orientadores portugueses, surgem, há décadas, «as limitações da democracia ateniense». Essas «limitações» referem-se à não participação das mulheres, dos metecos- estrangeiros- e dos escravos na vida política de Atenas, no século V a.C. Em Portugal, as mulheres só adquiriram direitos políticos em igualdade com os homens, após o 25 de Abril de 1974, século XX; no que respeita aos estrangeiros, apenas os brasileiros têm direitos semelhantes aos dos cidadãos portugueses. Enquanto a democracia ateniense era direta, em Portugal temos uma democracia representativa, já que os cidadãos elegem os seus representantes. Será que a democracia portuguesa não apresenta algumas «limitações»?  Acrescente-se que, recentemente, a República de Roma Antiga, com algumas características democráticas, desapareceu dos documentos curriculares orientadores, mantendo-se o império, forma de governo em que um só- o imperador- decidia por todos. Na Roma Antiga republicana, apesar de o Senado ser o órgão com mais poderes, eram assembleias de cidadãos que elegiam os magistrados os quais cumpriam mandatos temporários e não renumerados, pois o dever cívico para os Romanos implicava exercer cargos sem fins lucrativos, revelando, assim, o seu amor por Roma. Será que a República de Roma Antiga, «mãe» das repúblicas modernas, não deveria continuar a ser trabalhada nas escolas? Será que a democracia ateniense não deveria ser mais valorizada nos documentos curriculares orientadores, enquanto regime criado num tempo de «ditaduras» e «mãe» das democracias modernas? Claro que sem carga horária letiva digna, a História não poderá contribuir para a formação de um pensamento independente e de cidadãos amantes da democracia, e os cortes têm-se sucedido nas últimas décadas.

 

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