11 Maio 2024, Sábado

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Que mal terão feito os pobres dos velhos?

Que mal terão feito os pobres dos velhos?

Que mal terão feito os pobres dos velhos?

Encontro um casal amigo, no café. Nos cumprimentos, a simpatia e o calor de sempre. Porém, noto-lhes uma tristeza nas falas e nas expressões. Após as gentilezas trocadas entre amigos que não se veem há uns tempos, fomos falando sobre as bagatelas do dia a dia. Até que a senhora se dispôs a revelar o que os afligia: o filho decidiu por eles e impôs-lhes as refeições levadas a casa por uma instituição contratada. À vez, desabafam mágoas: sentem-se capazes para tratar de si; gostam de sair, de conviver e de fazer compras; cozinhar o que lhes apeteça comer não é problema; ficaram reféns da hora em que as «meninas» batem à porta; a comida sem graça e repetitiva, os sete dias da semana, já enjoa.

O desgosto que notei nas palavras dos dois, magoou-me. Fiquei sem saber o que dizer – não devemos intrometer-nos em assuntos de família. Mas não aguentei, e disse aos meus amigos que não admitiria a um filho mandar assim na minha vida e na vida da mãe. Olharam um para o outro, calados e tristes. E eu mudei a conversa.

A desconsideração pelos velhos tornou-se coisa corrente e notícia diária. Como se não bastassem os problemas, infelicidades e amarguras da idade, os anciãos veem-se cada vez mais confrontados com desrespeitos, afrontas, maus-tratos, desamor, desumanidade. Nas instituições (públicas ou privadas, o fado é o mesmo) e, ó céus!, no próprio lar e às mãos dos próprios filhos.

Fala-se muito de uma geração jovem sacrificada. Pois permitam-me lembrar o que foi a existência dos nossos velhos: sofreram as opressões da ditadura e a guerra colonial; a maioria não passou da instrução primária, começou a trabalhar muito jovem, sem condições nem garantias, sem o mês de férias, a ganhar magros ordenados que entregava em casa por inteiro; chegaram a adultos entre precisões e misérias; suportaram as dores de crescimento da democracia; fizeram sacrifícios e tiraram à boca e à vida para dar aos filhos e aos netos, e para educá-los; uma boa parte sobrevive de reformas exíguas, que em muitos casos partilha com os descendentes que precisam. E ao cabo e ao resto, depois de se terem dado à família e contribuído para a construção da sociedade moderna, livre, mais justa e mais solidária em que os mais jovens têm a felicidade de viver, os anciãos são maltratados. Que mal terão feito os pobres dos velhos, para não os deixarem viver os seus últimos dias em paz?

É revoltante que gente nova não considere os idosos como cidadãos de plenos direitos, vontade própria e dignidade a respeitar, que no gozo das suas faculdades mentais e físicas têm o direito de decidir das suas vidas. Se a desconsideração vem de filhos, ainda revolta mais, pois denota ingratidão e desamor para com os progenitores, além da falta do respeito que lhes devem.

Há gente que parece não ter consciência de que a velhice, a seu tempo, também baterá à sua porta.                                                                                    13

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