9 Maio 2024, Quinta-feira

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Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte X): José Afonso

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte X): José Afonso

Pensar Setúbal: Os 50 anos do 25 de Abril de 1974 (Parte X): José Afonso

Grândola, Vila Morena é uma canção muito importante, cuja música e letra foi composta e cantada por José Afonso, sendo escolhida pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) como segundo sinal para colocar os militares revoltosos em marcha, iniciando a Revolução de 25 de Abril de 1974.
A canção tornou-se o hino da Revolução, tendo sido escrita e gravada em Outubro de 1971.
Existe uma excelente versão, da autoria do maestro Jorge Salgueiro, director artístico da Associação Setúbal Voz que recomendo vivamente.
Quanto a José Afonso, o meu primeiro contacto ocorreu nas aulas de Judo no Clube Naval Setubalense (CNS), em meados dos anos sessenta.
Eu era um miúdo e Zeca Afonso era já um homem, na casa dos trinta e oito anos (nasceu a 2 de Agosto de 1929). Chegava, despia-se logo ali junto ao tapete, ficava em cuecas e vestia o seu fato de Judo, após o que entrava em acção. Tudo era feito de forma rápida e ele não olhava para ninguém.
As mães ficavam todas escandalizadas pelo facto de não utilizar os balneários como toda a gente e queixavam-se à Direcção do CNS. Zeca Afonso respondia que as mães eram pré-históricas.
Analisando à distância esse seu comportamento, nomeadamente a rapidez com que se despia, vestia logo a seguir e como nunca olhava para ninguém, conhecendo mais tarde a personalidade de Zeca Afonso, estou convicto que não o fazia por exibicionismo. Seguramente, uma forma diferente de estar na vida.
Era um homem reservado, de poucas falas e de poucos sorrisos também, mas simpático e afável, principalmente com os miúdos.
Depois soube-se qual o motivo da sua presença nas aulas de Judo. Comentava-se que, sem qualquer aviso, os agentes de PIDE entravam-lhe casa dentro e segundo fontes judocas perfeitamente fidedignas, ele atirava um ou dois agentes ao chão, antes de ser imobilizado, motivo pelo qual foi proibido de frequentar mais aulas de Judo.
De facto, a partir de uma determinada data, deixámos de vê-lo, para descanso das mães.
Nós, os miúdos, delirávamos com estas histórias, das façanhas do Zeca Afonso, que colocava em prática o que aprendíamos no tapete. Claro que nos interessavam mais os aspectos estritamente técnicos, dos golpes de judo utilizados, do que questões “artísticas” mais abrangentes de política, que não suscitavam nenhum interesse em miúdos muito pequenos, como era o nosso caso.
Zeca Afonso era o nosso ídolo do Judo.
Embora a minha dimensão ideológica e política seja diferente daquela evidenciada por Zeca Afonso, tal não me impede de ter pela sua figura uma profunda admiração e respeito, consubstanciada na sua coragem física, psicológica, e na sua postura clara e frontal contra a ditadura.
Zeca Afonso foi um compositor e um intérprete musical de excepção. A forma como torneava a censura, com a utilização de letras escritas de forma simultaneamente inteligente e sub-reptícia, tornavam-no um símbolo da resistência relativamente ao regime do Estado Novo.
Faleceu a 23 de Fevereiro de 1987. No seu funeral estiveram cerca vinte mil pessoas, num sentimento colectivo de pesar que enchia as ruas de Setúbal, inundada de cravos vermelhos.
O meu querido e saudoso amigo e colega de cantorias, Paulo Nunes, conceituado florista setubalense, recordava que lhe passaram pelas mãos cerca de 15 mil flores de Abril, nessa ocasião.
Quando se falou na possibilidade dos seus restos mortais poderem ser transladados do cemitério de Setúbal, para o Panteão Nacional, entendi que seria uma excelente ideia, uma vez que considero José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, uma das personalidades portuguesas mais importantes, principalmente pela coragem e determinação com que lutou corajosamente contra o regime do Estado Novo, utilizando, para esse efeito, uma das armas mais eficazes e mortíferas: a Música.
Sabemos que, na ocasião, a família se opôs a esta pretensão, de forma delicada e reconhecida, mas simultaneamente firme, o que talvez não surpreenda.
Os amigos mais chegados também comungam da mesma opinião, tanto quanto julgo saber.
Também me parece que José Afonso não teria querido essa honra extrema, o que vem ao encontro daquilo que foi um dos traços marcantes da sua personalidade; uma extrema simplicidade.
Fica aqui registada uma singela, mas muito significativa evocação de um Homem corajoso e inteligente.
Um excelente compositor e músico.
Genial, quanto a mim.

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