9 Maio 2024, Quinta-feira

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25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

25 d’Abril no seio da sociedade contemporânea

Além das celebrações em Setúbal, estive presente na marcha de celebração entre Restauradores e a Avenida da Liberdade em Lisboa. Lá pude observar rostos, mensagens e símbolos empunhados. O sentimento geral fora o de celebração sem deixar de faltar manifestações de descontentamento que são próprias à índole.

Começo por um ponto positivo substancial: Nunca vi tantas pessoas reunidas para celebrar este nosso feriado. Das conversas alheias a circular à minha volta, foi-me aparente que o que as moveu a aparecer foi um pequeno sentido de missão (arrisco-me a dizer transcendental): o desejo de se estar rodeado por todos os que partilham esta mesma missão de comemoração e que se compadece com um sentido de pertença. Um desejo transversal de se deixar a sua marca neste marco histórico de meio século do movimento e deixar-se inspirar pelos ideais absolutos que o mesmo representa Liberdade, Paz e Justiça.
Noto ainda o modo como a simples acção conspícua de se pôr a caminho dos ajuntamentos enalteceu a sua importância.

Testemunhei um mar de gente cujos rostos ressaltavam entusiasmo de se pertencer a algo maior e também uma leve serenidade. A felicidade veemente (genuína) jorrava, principalmente, das pessoas já de idade enquanto era complementada pela camada mais jovem que vociferava a sua frustração. Frustração resultante do contraste entre o status quo e a ideia do que poderia ter sido – e.g. situação socioeconómica actual.

O cravo, símbolo próprio do movimento e representativo dos ideais supra, fora ubíquo e ornamentava a própria presença. Vi apenas um pouco menos bandeiras de Portugal do que estava à espera, e simbolicamente, senti que também brotavam timidamente através das cores do próprio cravo. Estavam presentes bandeiras da Palestina e senti que se apropriavam – em certa medida – do motivo de ser da celebração, àquilo que deveria ser uma homenagem a um marco na história de Portugal.

Havia mensagens auspiciosas dispostas em cartazes e faixas directamente afectas à revolução. Além destas, encontrei, sem dificuldade, outras relativas a assuntos diversos que se expandiam em ênfase, desde a exigência da alteração da letra do Hino Nacional à situação geopolítica Palestina-Israel. Embora se possa utilizar “demonstração da liberdade de expressão” como argumento, não consigo evitar de sentir alguma desonestidade dos autores dada a sobreposição de movimentos contemporâneos. Alguns dos tópicos são dignos de discussão, é certo, contudo revela a falta de rumo, caso contrário seriam levados avante em sede própria. Esta descontextualização demonstra um incómodo generalizado que se afunila em qualquer tipo de manifestação. Incómodo este – muito dele – a meu ver, supérfluo em virtude da própria soberba ético moral.

O 25 d’Abril está embrenhado na cultura portuguesa e como fenómeno (e a ideia que o acompanha) deve servir de método e aglutinador à identidade nacional – a um sentido de pertença. E, de facto, esta é uma das consequências expectáveis, pois reflecte isomorficamente a união que fez a força do movimento. Tal, pôde ser evidente aquando se tocou a Grândola Vila Morena e a gente pendulava ao ritmo da mesma, enquanto tinham os braços entrelaçados. E aproveito para enfatizar aqui a Beleza encontrada nos rostos pintados de sorrisos solarengos, encontrada na musicalidade de risos, cânticos e silêncios que a marcha florida aprazou, encontrada no contraste entre a aspereza dos tanques e os suaves cravos dispostos por cima. Também a observei na ressurreição da vitalidade da inconformidade face a dificuldades e transtornos que decorrem no nosso país.

Vi ainda actores políticos instrumentalizarem este movimento social em função das suas doutrinas partidárias, por isso não quero deixar de mencionar a presença de símbolos políticos, nomeadamente algumas bandeiras de partidos e rostos de dirigentes (indissociáveis da sua vida partidária). Esta instrumentalização é possível independentemente da conotação atribuída – e.g. IL e BE pela positiva e ADN pela negativa. Pelo Terreiro do Paço desenvolveu-se uma marcha antitética à que estava em decurso na Avenida da Liberdade, patrocinada pela ADN cuja maior parte da adesão, especulo, advir da descrença do(s) método(s) empregue(s) à concretização dos ideais supra na sociedade – bebendo da mesma revolta e desapontamento que levou a manifestações de descontentamento de quem estava pela Avenida da Liberdade.

Assim, nota-se a substituição da apatia política geral dos portugueses por uma polarização ideológica aparente cada vez mais berrante e julgo fundamentar-se na incapacidade dos governos passados de gerirem a coesão nacional. Sem descurar factores externos a Portugal como a relação do país com a Comissão Europeia, ideologias que circulam por redes sociais, entre outros, um exemplo disto é tomar tópicos como imigração e integração cultural como tabus que se verificam como facto social, mas sobretudo como fenómeno político – Faço aqui um breve desvio e sugiro que seja o caso para a maior parte dos países da UE. Acresce a isto os sistemáticos casos de corrupção o que revolta o povo português conduzindo-se a extremos ao invés de diálogo ponderado.

Em suma, a meu ver, este ano fomos um enxame pulsante de convicções à deriva em condições materiais e circunscrito pelos mesmos ideais absolutos ainda que carecidos de um rumo e de um sentido de pertença. Espero que este vigor que o nosso povo demonstrou se mantenha pelo quotidiano dos anos vindouros.

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