9 Maio 2024, Quinta-feira

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Os grupos de estudo, Zeca Afonso e os “homens de gabardina”

Os grupos de estudo, Zeca Afonso e os “homens de gabardina”

Os grupos de estudo, Zeca Afonso e os “homens de gabardina”

Mal entrei no ensino, e isso ocorreu em Vila Viçosa e Borba, para onde me desloquei de Lisboa devido a pontuais problemas com a editora a que estava ligado.

Aí encontrei um conjunto de companheiros que manifestaram grande  adesão aos Grupos de Estudo dos Professores Eventuais e Provisórios (GEPEeP). Já ai me encontrava quando se produziram as reuniões na Escola Francisco Arruda, dirigida pelo  Professor Calvet de Magalhães, que amavelmente (e com coragem) nos facultou o auditório.

Com a experiência do movimento associativo que havia tido – dirigente eleito de Letras e membro da RIA – foi natural a minha rápida integração nos GEPEeS. E foi assim que elaborei, praticamente sozinho, o caderno/revista O PROFESSOR sobre a estrutura da carreira docente e fui mais tarde designado para o Grupo dos 10 docentes (representando a região do Alentejo) que tinham a incumbência de representar os professores nas suas interacções com o Ministério da Educação e do qual  resultou uma reunião proveitosa com o Ministro Veiga Simão, titular da pasta na altura. Sempre que podia assistia aos encontros que o Movimento realizava em Lisboa.

Em 1971/72 mudei-me para Setúbal e continuei a desenvolver as reivindicações do movimento docente. Finalmente instalado em Setúbal, comecei-lhe a tomar o pulso. Não conhecendo ninguém, foi natural que fossem os colegas da escola que me iniciassem nas rotinas da cidade – tranquila, acolhedora, e com um local para onde convergiam os fluxos dos cidadãos: a praça do Bocage e nela privilegiadamente o Café Central.

Aí, na sua vasta esplanada, assentei o meu “escritório”, onde preparava as aulas e redigia a minha crónica semanal para o NA – Notícias da Amadora, o prestigiado semanário tolerado pelo regime mas submetido a um garrote que implicava que o lápis azul cortasse aleatoriamente pedaços de texto que, na maioria das vezes, o tornava ininteligível. A minha área preferida era a educação.

Não tardei a integrar, guiado por uma colega da escola, natural de Setúbal, uma mesa de amigos no Café Central, onde pontificava o José Afonso, personagem que eu admirava a partir dos discos e de uma sessão absolutamente memorável que ocorrera no auditório da Faculdade de Medicina de Lisboa, organizada pela respectiva associação de estudantes, e onde o Zeca, acompanhado por Rui Bernardino, Rui Pato e outros, cantou algumas das suas canções que eram hinos de resistência à ditadura salazarista, como o “Bairro Negro” e “Os Vampiros”, longamente ovacionadas por aquele auditório completamente cheio a abarrotar.

José Afonso era de uma generosidade extrema: os professores andavam nessa altura – como atrás referi- em luta por condições dignas e eu fazia parte dos seus representantes para reivindicar coisas que hoje seriam inacreditáveis; 80% dos professores eram provisórios, o que significava que eram despedidos nos finais de Junho de cada ano (alguns directores, compreensivos, prolongavam o vínculo por mais um mês) e eram “reconduzidos” em Outubro seguinte – ou seja os professores estavam dois ou três meses sem vencimento (subsídio de férias, nem falar…).

Em nossa casa, e de mais um ou dois colegas, reuníamo-nos para adoptar formas de luta para chamar a atenção do Governo. Aqui, em Setúbal, organizámos um abaixo-assinado que obteve mais de 90% de subscrições nos diversos estabelecimentos de ensino (o que irritou sobremaneira os directores carreiristas e prepotentes que se julgavam impunes) e promovemos um jantar no Restaurante “O Convés”, que ainda hoje existe no mesmo sítio, que se encheu de professores e famílias, e onde a atracção artística era Zeca Afonso que mais uma vez aceitou o convite. O restaurante era envidraçado, e lá fora, sem se darem ao trabalho de passarem desapercebidos, dois homens de gabardine, “uniforme” que caracterizava, não oficialmente, os agentes da polícia política da Pide/DGS, furtivamente acompanharam o repasto até ao fim, que aliás foi sublinhado por alocuções alusivas à situação indigna da profissão docente.

Creio que melhor maneira de concluir esta evocação dos grupos de Estudo, que haveriam de dar origem aos sindicatos da FENPROF poucos anos depois, após o 25 de Abril, não haveria, pois ali confluíram os movimentos e alguns protagonistas que provavam que a resistência era na altura bem viva ao regime ditatorial que havia usurpado a Liberdade em 1933 e que, no nosso íntimo pensávamos, se não seria eterno…

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