27 Abril 2024, Sábado
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Soromenho-Marques contraria ideia de misticismo teológico na obra de Sebastião da Gama

Para o filósofo setubalense, o que se encontra no legado do poeta da Arrábida são reflexos da “morte de Deus” e do niilismo numa linha de pensamento franciscano contrária ao antropocentrismo

 

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Viriato Soromenho-Marques recusa a ideia de um misticismo teológico na obra de Sebastião da Gama em cujos poemas encontra mais as marcas de duas realidades culturais da tradição ocidental; “a luta da vertente franciscana do Cristianismo contra o antropocentrismo dominante” e “a colossal clivagem na cultural ocidental da ‘morte de Deus’ e do niilismo”.

Esta tese do professor catedrático setubalense foi apresentada, esta sexta-feira ao final do dia, numa palestra, na Casa da Cultura, em Setúbal, no âmbito do ciclo de conferências ‘Ler Sebastião da Gama’, promovido pela Associação Cultural Sebastião da Gama que tem o patrocínio do Presidente da República.

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Perante uma sala lotada, José Viriato Soromenho-Marques contrariou a ideia de Ruy Ventura, de que “há uma teologia incluída nos versos de Sebastião da Gama”, argumentando com passagens de poemas como ‘Condição’, ‘Palavras a Frei Agostinho’ ou ‘Pão Nosso de Cada Dia’ para concluir que o poeta “não é um místico”.

Numa “reflexão filosófica e não estritamente literária”, o professor sadino encontra “sinais” das dúvidas de Sebastião da Gama relativamente à existência de Deus em múltiplas passagens da obra publicada, ao ponto, até, de identificar um registo que “chega a revolta” contra o divino. Na leitura de Viriato, o poema ‘Pão Nosso de Cada dia’ apresenta um “protesto contra Deus”, com um “erguer de mãos” que não é de súplica mas de contestação. Essa leitura mostra-nos, segundo Soromenho-Marques, que “Deus fugiu-nos, não fomos nós que lhe fugimos”.

O filósofo relaciona este pensamento com os autores que tratam a morte de Deus, como Heinrich Heine, ainda antes de Friedrich Nietzsche, ou o português Antero de Quental, para desembocar no niilismo. “Sebastião da Gama sabia que ia morrer, mas nunca se deixou abater pela morte”, destacou, para terminar com uma frase: “Mesmo se o céu não existisse, o sonho de Sebastião da Gama seria suficiente para encher esse vazio”.

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Nesta palestra, Soromenho Marques reflectiu também sobre a teoria poética subjacente à obra, em que encontra três elementos principais: A escuta, a revelação e o descentramento. “A ideia de que a poesia implica uma atenção, que é uma graça. É preciso estar à espera para a receber. Para Sebastião da Gama não era poeta quem queria, era poeta quem tinha condições para isso.”, disse.

 

Sebastião da Gama ecologista

Na sua leitura da obra de Sebastião da Gama, o catedrático sadino apresentou o poeta da Arrábida também como percursor da ecologia. Recordou a carta que o poeta escreveu, em 1947, a alertar para a destruição da Mata do Solitário, e que Gama acaba por ter ligação à fundação da Liga Portuguesa da Natureza, em 1948.

A palestra foi seguida atentamente pelas dezenas de pessoas presentes e, no final, algumas das quais também participaram na reflexão ou colocaram perguntas. Frei Herminio falou para defender que a leitura de Viriato é “umas das possíveis” e sustentar que o misticismo teológico também faz parte da obra de Sebastião da Gama.

À pergunta que sobressaiu – “que sentido faz Sebastião da Gama hoje, num mundo de utilitarismo” – Soromenho-Marques respondeu que o poeta permanece como um dos “companheiros de viagem” que ajudam a manter a esperança. “A cultura é, neste momento, um exercício de resistência” atirou, para concluir que “temos de resistir” e que, para isso, a capacidade de admiração é fundamental. “Hoje é difícil admirarmos alguns vivos, [por isso] admiremos os mortos”, sintetizou.

 

Obra completa até Maio e com 260 poemas inéditos

A obra completa de Sebastião da Gama vai ser publicada até Maio, numa edição que incluirá 260 inéditos, revelou João Reis Ribeiro da Associação Cultural Sebastião da Gama. O responsável recordou que existem cerca de 300 poemas inéditos de Sebastião da Gama, uma vez que o poeta era “muito criterioso relativamente à escolha dos poemas” e deixou muitos por publicar. Alguns dos inéditos são poemas de 1939, em que Sebastião da Gama tinha 15 anos de idade. O primeiro em que falou da Arrábida tinha 16 anos, recordou João Reis Ribeiro.

A publicação anunciada insere-se nas comemorações do centenário ‘Joana Luísa e Sebastião da Gama’ que se celebra a 10 de Abril e que vão ter um programa alargado. Logo no dia 10 terá lugar mais uma conferência do mesmo ciclo, desta vez com Guilherme d’Oliveira Martins.

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