Portugal adormecido

Portugal adormecido

Portugal adormecido

, Médico
27 Abril 2022, Quarta-feira
Mário Moura - Médico|

Vivi quase quarenta anos em ditadura e quando entrei para a Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra rapidamente me apercebi que entrara num ambiente verdadeiramente descontente  com o tipo de ensino controlado pelo regime que nos governava e que proibia qualquer veleidade de reagir e manifestar o descontentamento.

Facilmente me apercebi que havia quem nos escutasse por todo o lado fazendo inclusivamente “desaparecer” o contestatário – era a realidade da vivência num regime de opressão que não exitava em prender, em torturar e em encarcerar todo e qualquer que divergisse da opinião oficial – o braço dessa governação era a PIDE (polícia política).

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E cheguei a pertencer a uma direcção da Associação Académica e nela dirigi um jornal – a Via Latina, tomando conhecimento doutro elemento da governação – a censura.

E o mesmo aconteceu ao iniciar a minha vida profissional em Setúbal – interventivo por natureza aqui dirigi um outro jornal: o Notícias de Setúbal, sempre amputado de artigos pela tal censura.

Até na minha vida profissional senti o peso opressivo da ditadura pois era necessário para tudo o avalo da Pide, até para ser nomeado para lugares de direcção – era um clima opressivo e não conhecera outra maneira de viver.

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Na clandestinidade borbulhavam os elementos do partido comunista. Escritores ou músicos e outros artistas viam os seus trabalhos arrestados poucas horas depois de serem lançados no mercado.

Alguns homens mais corajosos manifestavam publicamente o seu descontentamento e davam a conhecer outras formas de viver em sociedade.

Dois nomes recordo para exemplo: Cunhal e Mario Soares.

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O primeiro torna-se conhecido pela sua fuga arrojada da prisão de Caxias e o segundo, por exemplo, ter escrito do exílio um livro que titulava “Portugal amordaçado”. E o ditador não aceitou os ventos de liberdade que sopravam no mundo dando a independência aos múltiplos territórios  coloniais – Salazar, o ditador – lançou a nossa juventude numa guerra colonial que os nossos jovens não compreendiam nem queriam.

E em 1974, no dia 25 de Abril, um grupo de jovens oficiais, num arrojado golpe militar bem desenhado às ocultas, derrubam o governo, praticamente sem resistência e com o apoio entusiástico do povo – chegava a possibilidade de viver em liberdade, de ter opinião, de perder o medo que envolvia a nossa atmosfera e… acabando com a guerra!

Sucederam-se muitos acontecimentos importantes, pois as opiniões agora livres não se entendiam na organização do País – como dizia um dos heróis desse acto modificador da vida dos portugueses: “havia o estado socialista, o estado comunista, o estado liberal e… o estado a que isto chegou!”

A caminho de comemorarmos cinquenta anos do golpe militar que nos deu a democracia, parece que as coisas não têm corrido muito bem e o nosso País e o nosso povo aponta e sofre na pele a vivência duma Democracia – direi eu – não amordaçada como a que caiu em 1974, mas razoavelmente “adormecida” pois continua a haver fossos entre ricos e pobres, continua a haver uma corrupção em muitos niveis da nossa sociedade, continua a haver excluídos e marginalizados em excesso.

E com o tempo e o descontentamento aumenta a abstenção nos actos eleitorais e o descrédito dos políticos.

Mas, muita atenção pois os defeitos da sociedade em que vivemos são, nas suas linhas gerais, idênticos aos que prevalecem por parte deste mundo em que vivemos e temos também maltratado – e certas correntes políticas, certos defeitos das sociedades estão fazendo nascer correntes de opinião que mesmo no ambiente democrático amordaçam ou adormecem o “poder do povo” que na sua essência é o significado da palavra democracia.

E estamos com guerras, umas de pequena dimensão mas agora uma que ameaça mesmo o espírito democrático. Mas atenção pois nem sempre os governos se regem pelo objectivo do “bem comum”, mas cuidado pois o capital subornou muitos políticos e amordaçou o trabalho, mas cuidado pois, para além da festa e dos cravos encarnados, símbolo duma revolução sem sangue, temos urgentemente de reconstruir uma sociedade nova que respeite integralmente a liberdade dos seres humanos, a sua dignidade e a sua igualdade de oportunidades para uma vida mais feliz, ordeira e respeitadora!

Amigos! Respeitemos o poder do nosso voto, da nossa vontade e sejamos respeitadores dum regime de verdadeiro diálogo em paz!

 

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