1 Maio 2024, Quarta-feira
- PUB -
InícioLocalSetúbalCarlos Rabaçal: "A tarifa da Amarsul está a asfixiar os municípios"

Carlos Rabaçal: “A tarifa da Amarsul está a asfixiar os municípios”

O também presidente dos Serviços Municipalizados diz que os aumentos do custo da gestão de resíduos – “295% nos últimos cinco anos” – não têm justificação e são incomportáveis para todos

 

- PUB -

Até o lixo está pela “hora da morte” e, na península de Setúbal, a matar por asfixia os municípios, com consequências penosas para os munícipes. Carlos Rabaçal, vereador na Câmara Municipal e presidente dos Serviços Municipalizados de Setúbal, alerta para os “aumentos draconianos” dos custos da gestão de resíduos – a cargo da Amarsul –, que nos últimos cinco anos foi de “295%”.

Em entrevista a O SETUBALENSE e à rádio Popular FM, o autarca debruça-se sobre o processo, defende que os municípios devem tomar uma posição conjunta no sentido de que o serviço volte para a esfera pública e até apela a que as populações se movimentem na luta contra esta realidade.

Por que é que até agora ainda não houve qualquer entendimento no executivo municipal de Setúbal quanto à actualização da tarifa da recolha de resíduos?

- PUB -

Fomos confrontados com aumentos draconianos da tarifa da Amarsul. Nos últimos cinco anos o aumento foi de 295%. Este ano é 39%. O município de Setúbal, como outros da região, tem vindo a acomodar esses custos e não tem vindo a repercutir esses custos nos munícipes, não tem aumentado as tarifas. Nós não aumentámos as tarifas durante cinco anos em Setúbal, no entanto este último aumento de 39% veio criar um profundo desequilíbrio nas contas do município. A operação de resíduos em Setúbal tem um volume de negócios de 10 milhões de euros e tem uma cobertura tarifária de 5 milhões e pouco, o que quer dizer que mais de 5 milhões neste momento são suportados pelo município e pelos serviços municipalizados. Como os serviços municipalizados só vivem da tarifa, não têm outro tipo de receitas, o conselho de administração dos serviços municipalizados entendeu propor à Câmara que houvesse um aumento de tarifário exactamente no mesmo valor do aumento da Amarsul deste ano.

Esse aumento de 39% é um valor grande, mas representa cerca de 13% dos 295% de aumento. Portanto, no fundo era partilhar uma pequena parte deste aumento brutal dos últimos cinco anos entre o município e os munícipes. Não foi possível chegar a um acordo, houve uma discussão interessante, creio que os outros partidos sobretudo o PS e o PSD estarão disponíveis para encarar um ajustamento de tarifário que ajude a garantir a operação, porque nós temos aqui duas matérias a cobrir com a tarifa: a operação de recolha, transporte e entrega de resíduos; e o tratamento que custa 4,1 milhões de euros por ano, que está a ser assumido pelo município. Há cerca de 1 milhão de euros que sobrou para a operação que está a cargo dos serviços municipalizados que é a recolha, transporte e entrega.

Mas depois houve também uma redução na proposta, da gestão CDU, para 29% que acabou também por ser reprovada, tal como uma proposta do PS de 5,9% também chumbada

- PUB -

Houve uma redução a fim de resolver esse problema, houve também uma proposta de 5,9% de um valor muito baixo… Esta questão carece de um grande esclarecimento interpartidário, exige muita responsabilidade, porque há aqui duas coisas que têm de ser garantidas: uma é que os munícipes não têm de assumir os desmandos da Amarsul do ponto de vista do aumento dos tarifários; por outro lado os municípios também não têm capacidade de acomodar integralmente todo esse aumento brutal. É preciso encontrar aqui um lógica de responsabilidade que permita, de uma forma racional, que se encontre a capacidade de manter a operação em curso e, ao mesmo tempo, que o município, até haver soluções diferentes para a gestão dos resíduos, vá acomodando o remanescente nos limites da sua capacidade financeira. O município há cinco anos não tinha qualquer encargo com os resíduos, na medida em que a tarifa cobria integralmente o serviço. Passados cinco anos tem de pagar 5 milhões globalmente para cobrir a tarifa. É uma matéria que afecta todos os municípios, não é exclusiva de Setúbal.

Está preocupado com este impacto?

Muito. Estes aumentos dos tarifários, mesmo nos outros municípios, podem provocar graves problemas económico-financeiros, aliás creio que já estão mesmo a provocar. Não há justificação económica para estes aumentos. Entendemos que não se deve manter uma exploração privada, maioritariamente privada, sobrecarregando os municípios e os munícipes com os encargos decorrentes da necessidade de obter lucro, ainda por cima com uma gestão do tratamento muito insuficiente. A actividade da Amarsul sustenta-se pela tarifa que cobra aos municípios, os quais depois vão cobrar ou não aos munícipes, sustenta-se pela produção de energia utilizando os resíduos. Neste momento, a Amarsul desperdiça 72% da sua capacidade de produção de energia e sustenta-se de um outro valor que resulta do trifluxo separativo, isto é resulta do vidro, do plástico e do cartão que são separados pelos municípios e entregues à Amarsul e depois entregues a empresas como o Ponto Verde e outras, que assumem a valorização desses resíduos. Para compensar a Amarsul pela entrega desses resíduos separados, há uma solução que se chama “Valores Contrapartida”, que é um valor que é administrativo, estabelecido também pelo Estado.

E quem é que o paga?

Pagam essas empresas à Amarsul, que está sempre tranquila em relação essas matérias, não exige o aumento desse valor, ouvi dizer que agora talvez aumentasse 20%, mas não exige o aumento desse valor vai à tarifa.

Vai a tarifa, vai sobrecarregar os municípios e ou os munícipes.

Mas acontece uma outra coisa. O que dá lucro à Amarsul é a deposição em aterro porque é cobrado agora 60,48€ por tonelada. A Amarsul, para ter mais lucro, está interessada em que haja deposição. Dá-lhe mais dinheiro do que separar e dá-lhe mais dinheiro do que produzir energia. É por isso que nós neste momento temos dois aterros que estão a funcionar, um no Seixal que está praticamente esgotado, tem 3 anos de [duração] de vida, e o de Palmela, que tem 6 anos de vida.

Então é outra preocupação?

É outra preocupação, na medida em que ainda não há alternativa. Temos colocado essa questão à Amarsul, que diz estar a tratar do assunto. Mas licenciar um aterro leva vários anos.

No fundo estou a falar da empresa Amarsul, mas o accionista maioritário [51%] é EGF/Mota-Engil [os municípios têm 49%]. Posso dizer-lhe que as propostas dos municípios nunca passam, a EGF/Mota-Engil tem a maioria e decide. Os nossos representantes no conselho de administração da Amarsul têm sempre rejeitado esses aumentos, têm sempre proposto medidas diferentes para o problema dos resíduos, não tem sido aceite uma proposta.

Se você for avaliar a regra de cálculo do tarifário da Amarsul vai ter de contactar um matemático altamente especializado para explicar as fórmulas todas que lá estão, o que lá está garante seguramente que a Amarsul nunca corra risco nenhum e que tenha sempre os seus resultados garantidos. Quem suporta isso? Os municípios e ou os munícipes. Numa reunião, não foi pedido segredo, foi dito por uma administradora da Amarsul que eu não estivesse preocupado com estes aumentos da tarifa, porque os próximos no futuro é que iam ser mesmo a doer. É difícil de digerir. Vamos ter seguramente agora problemas complicados com o Plano de Estratégia dos Resíduos Urbanos (PERSU), que está associado às directivas europeias.

Em que consiste esse plano?

Estabelece metas para o todo nacional, calculadas por especialistas que fizeram esse trabalho nos seus gabinetes e com os dados que têm disponíveis. Estabeleceram neste momento para Portugal em relação à deposição em aterro, no caso concreto da nossa região, reduzir de 76% de depósito em aterro para 10%, isto é reduzir 66%. Se tivermos em conta que reduzimos em 20 anos de 100% para 76%, estamos a ver o que é que está a ser pedido para 2030. Isso implicará eventualmente alterações profundas na Amarsul e toda a despesa que tiver a ver com isso irá à tarifa, o que implicará da parte dos municípios um esforço complementar. Este PERSU obriga a que nós, na prática até 2030, recolhamos integralmente todos os biorresíduos que na estimativa global apontou-se para os 40%, nós estamos num número ridículo ainda (10% a 12% e com grande esforço e investimento). Sem as pessoas isto não se resolve. Sensibilização, consciencialização e uma outra coisa muito importante que é pouco falada em Portugal, porque não interessa, mas que é praticada noutros países que é o retorno ao munícipe do resultado do seu esforço. Como acontecia, em tempos, em relação ao vidro, quando você comprava uma garrafa. Ao devolvê-la, recebia a tara. Há países em que as pessoas recebem um valor financeiro por depositarem quatro, cinco garrafas, no local próprio.

Há uma série de medidas e metas deste PERSU que têm de ser depois vertidas num plano de acção dos municípios. Nós estamos a elaborar o nosso plano de acção, todos temos de entregar até Novembro, mas pediram-nos já as metas. Entregar já as metas antes de se estudar as coisas com profundidade. Nós ainda não entregámos as nossas metas, mas a nossa perspectiva está longe das metas que o Governo quer impor. É uma panóplia de problemas a cair em cima dos municípios.

Como definiria a situação dos municípios face à aplicação dos valores que daí advêm?

Os nossos municípios, da região, têm sempre protestado institucionalmente. Com aumentos enormes da tarifa mas inferiores aos nossos, os municípios que integram a Valorlis, também concessão EGF/Mota-Engil, meteram uma acção cautelar contra a ERSAR e o Ministério do Ambiente que foi aceite. Está em tribunal. Na nossa região, os municípios vão ter de encarar também passarem do protesto institucional para a acção legal. Depende da vontade dos municípios. Há várias coisas dependentes da vontade dos municípios. Esta é uma delas. Merece também ser estudado em pormenor o contrato de concessão e ser feita uma avaliação do seu cumprimento.

Acha possível essa concertação entre municípios na nossa península, geridos por forças políticas diferentes (CDU e PS), quando apenas dentro de um município essas forças políticas não se conseguem entender entre si, como por exemplo no executivo de Setúbal?

Não consigo adivinhar isso. Mas, a realidade tem muita força e, independentemente das forças políticas que compõem os executivos, a asfixia financeira que está a acontecer pela via da tarifa da Amarsul apanha todos. Todos os municípios estão a ter este problema de asfixia financeira. Todos têm de garantir a operação e ninguém quer sobrecarregar os munícipes. Creio que isto vai ser mais forte do que a visão partidária que se possa ter.

Ou seja, o impacto da tarifa da Amarsul é tão forte e dramático que facilmente irá sobrepor-se a qualquer eventual divergência político-partidária?

Espero que sim. Não há ninguém que seja capaz de dizer que é normal um aumento do tarifário de 295% em cinco anos. Ninguém. Mas vale também a pena olharmos para outros problemas. Os municípios estão a ser sobrecarregados com uma Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) que em cinco anos cresceu 227%, uma coisa que não se entende e que surge como um imposto disfarçado de taxa. Essa taxa que em Setúbal equivale a ir aos bolsos dos munícipes, por parte do Governo, em 1,8 milhões de euros por ano, é distribuída pelo IGAMAOT, pela GNR, pela PSP, pela entidade licenciadora que é o Governo, pelos municípios (30%) através do Fundo Ambiental (vai para o Fundo Ambiental e depois, eventualmente, virá para os municípios de acordo com projectos concretos e se se portarem bem) e ainda pela APA. Isto são órgãos do Estado que funcionam na base dos impostos que todos pagamos e não tenho registo de nenhum serviço concreto que essas entidades tenham prestado ao município de Setúbal, aos Serviços Municipalizados, que justifiquem que paguemos seja o que for. Quando precisamos de um serviço próprio destas entidades, pagamos.

Está a dizer que é duplamente pago um serviço… isso é inconstitucional.

Penso que é. Temos um parecer do constitucionalista Gomes Canotilho que põe em causa a constitucionalidade desta taxa. É um caminho que também tem de ser feito em conjunto pelos municípios.

A reversão da Amarsul para os municípios seria uma boa solução?

Não vejo outra para dar racionalidade ao sistema. Noutros sistemas, que não EGF/Mota-Engil, houve uma discussão do sistema em alta com os municípios para se encontrar uma forma comum de trabalho para todos terem um sistema equivalente e haver uma economia de escala, que permitisse a todos um esquema mais eficiente e com menos custos. Aqui, com a Amarsul nem dá para começar a conversar sobre essa matéria.

Qual a quota-parte da responsabilidade do Governo?

É muito grande. Desde logo porque estabeleceu um contrato de concessão com a Amarsul que tem uma solução draconiana para estabelecer as tarifas. O Governo podia obrigar a que a Amarsul tivesse também metas de sustentabilidade financeira, pela via da energia, pelos valores de contrapartida, e o próprio Governo aumentar esses valores de contrapartida para garantir uma melhor sustentabilidade da Amarsul, para esta não vir aumentar mais as tarifas. Uma alteração ao contrato de concessão no quadro em que se mantém a Amarsul privatizada EGF/Mota-Engil. Mas, o Governo também pode promover o resgate da concessão e entregar essa actividade à gestão pública. Em última análise, o Governo pode mesmo eliminar a TGR, eliminar esta canga sobre os munícipes. A TGR está a alimentar o Orçamento do Estado, é um imposto. Das duas, uma: ou encontram outra solução de imposto sobre os resíduos ou então acabam com isto. O ideal era acabar com isto e o Estado garantir a sua relação com a gestão destes processos de resíduos através do Orçamento do Estado. Creio que é legítimo e talvez fosse necessário que as populações se movimentassem.

De que forma?

É preciso movimentar as pessoas contra esta situação irracional, que está a afectar a capacidade dos municípios de satisfazerem outras necessidades das pessoas. Até apelo a que as pessoas se organizem e movimentem contra esta realidade, que combatam esta realidade. Nós estaremos com elas nesta luta. O que a Câmara de Setúbal está a gastar na área dos resíduos dava para fazer uma escola, dois pavilhões, quilómetros de estrada, refazer a rede de captação, adução e armazenamento de água nos dois pólos fundamentais de captação em Setúbal.

- PUB -

Mais populares

Cavalos soltam-se e provocam a morte de participante na Romaria entre Moita e Viana do Alentejo [corrigida]

Vítima ainda foi transportada no helicóptero do INEM, mas acabou por não resistir aos ferimentos sofridos na cabeça

Árvore da liberdade perpétua 25 de Abril em Setúbal

Escultura de Ricardo Crista foi inaugurada, no Largo José Afonso

Maria das Dores Meira renuncia a mandato de vereadora em Almada e poderá apontar candidatura à Câmara de Setúbal

Dores Meira não desvenda futuro, mas é muito possível que se apresente como independente nas próximas autárquicas à presidência em Setúbal
- PUB -