20 Abril 2024, Sábado
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Nos 100 anos de Joana Luísa da Gama

Há 100 anos, o mês de Fevereiro terminou numa quarta-feira. Nesse dia 28, em Azeitão, o casal José Rodrigues Júnior e Maria da Conceição Oliveira Rodrigues via nascer a filha que recebeu o nome Joana Luísa, por certo um momento de promessas e de risos ao futuro. A referência que ela viria a ser, só a vida a diria.

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E, de facto, no trajecto longo dos 91 anos de Joana Luísa, a marca foi a da fidelidade, uma enorme fidelidade, ao seu grande amor, à poesia e aos valores que a formaram. Não fora ela e, hoje, pouco saberíamos e pouco conheceríamos sobre Sebastião da Gama, o poeta eternamente jovem que faleceu aos 27 anos.

Não fora ela e a história deste amor e admiração acabaria nesse momento… Terá sido por 1944 que Joana Luísa e Sebastião da Gama encetaram o namoro, algo que já era adivinhado vir a acontecer, tão assíduo era o convívio e tão antiga a relação de vizinhança.

Isso contava Joana a uma amiga, Gabriela de Jesus da Silva, em carta de 18 de Julho desse ano (inserta no livro “Estala de saudade o coração”, que reúne memórias de Joana Luísa da Gama, publicado em 2013): “Eu, a Luísa, e ele, o Sebastião, chegámos enfim a um acordo. Eu deixei de fingir que não gostava dele e ele viu, enfim, que não me dará o desgosto que temia. (…) Para mim, é apenas aquele que eu sempre esperei para companheiro da minha vida, é aquele que eu amo, nada mais, não lhe ponham defeitos, porque cruzarei os braços ante os obstáculos e vencerei, se Deus quiser.”

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Este compromisso confessado a Gabriela, levou-o Joana até ao fim. A partir desse 1944, ainda em tempo de guerra mundial, o namoro foi-se construindo e o casamento aconteceu em 4 de Maio de 1951, no Convento da Arrábida (terá sido o primeiro casamento que ali se celebrou), no aconchego da Serra que Sebastião cantou e conheceu como ninguém.

No mesmo local decorreu a lua-de-mel do casal, tempo que também foi de poesia. Contudo, o tempo de casamento seria curto – nove meses quase exactos (metade deles passados em Estremoz, onde Sebastião fora colocado como professor), pois, em 7 de Fevereiro do ano seguinte, acontecia o falecimento de Sebastião da Gama.

Com facilidade se imagina a dor que assaltou Joana Luísa, a mulher que reunia uma série longa de predicados, que fora também referência e inspiração para o jovem poeta, que trocou com ele afectos feitos de poesia e de dedicação e que… teve tão curto calendário para partilhar a construção dessa vida comum!…

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Na tentativa de encontrar soluções para a sua vida (que passaram por uma entrada na vida religiosa por curto período de quase três anos, pelo estudo na área da Didáctica Pré-Primária, pelo acompanhamento de crianças como educadora, pelo exercício do voluntariado, pela ligação à paróquia azeitonense), Joana Luísa assumiu a continuidade da divulgação da obra de Sebastião da Gama, gesto inigualável de altruísmo e de consciência cultural.

Apesar de alguma contestação da parte do pai, como confessou em entrevista publicada na revista “Tabu” (saída com o jornal “Sol” em 3 de Fevereiro de 2012): “Voltei com todo o material que veio de Estremoz. Trouxe tudo quanto eram papéis do Sebastião e comecei a pô-los em ordem. O meu pai resmungava: ‘Deixa esses papéis’. Eu nem sabia como é que vivia…”

Foi da junção e ordenação desses “papéis” e de outros que foi obtendo, recolhidos entre os amigos de Sebastião, que se foi compondo a obra do poeta azeitonense que hoje conhecemos, publicada postumamente.

Não fora este trabalho dedicado e só conheceríamos os três títulos que Sebastião deu à estampa – “Serra-Mãe” (de 1945), “Cabo da Boa Esperança” (de 1947) e “Campo Aberto” (de 1951).

Graças a Joana Luísa, à relação que ela conseguiu manter com o grupo de amigos do casal (entre os quais constavam David Mourão-Ferreira, Matilde Rosa Araújo, Maria de Lurdes Belchior, Luís Amaro, António Manuel Couto Viana e Luís Filipe Lindley Cintra) e ao seu entendimento e proximidade com Sérgio Gama (irmão de Sebastião) e sua esposa Aurora, a divulgação da obra do poeta que amou a Arrábida tanto como amou Joana Luísa prosseguiu com a publicação de “Pelo sonho é que vamos” (1953), “Diário” (1958), “Itinerário paralelo” (1967), “O segredo é amar” (1969), “Cartas” (1994), “Não morri porque cantei” (2003), “Estevas” (2004) e “A minha arca de Noé” (2006).

Não fora a persistência e o amor de Joana Luísa e estas obras póstumas nunca chegariam ao nosso conhecimento ou viriam em termos deficitários… E mais: a quantidade de testemunhos que deu em favor da memória do seu marido, a questão que fez em estar presente em todas as acções que dissessem respeito à obra do poeta, as portas que abriu a investigadores e autores que quiseram conhecer como se fez o poeta Sebastião da Gama, a opção de pôr esta divulgação como projecto de vida e como dever.

Impressionante, verdadeiramente impressionante! As vidas dos dois cruzaram-se, mesmo no calendário – ele nasceu em Abril e faleceu em Fevereiro; ela nasceu em Fevereiro e faleceu em Abril.

As vidas dos dois fizeram uma história de amor e de poesia. É por isso que não será excessivo dizer que a obra de Sebastião acaba por ser obra dos dois, embora em responsabilidades diferentes, mas que se completam.

É por isso que a celebração do centenário de ambos vai decorrer em conjunto, entre 28 de Fevereiro de 2023 (nos 100 anos de Joana) e 10 de Abril de 2024 (nos 100 anos de Sebastião), um caminho de evocação, de aprofundamento de pluralidades de leituras e de contributo para a memória.

Crónica

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