Tróia: na moda e à venda

Tróia: na moda e à venda

Tróia: na moda e à venda

9 Maio 2023, Terça-feira
Joana Mortágua

Que têm campos de golfe e a ZARA (sim, a loja de roupa) em comum? Para além de serem sítios onde se encontram várias calças khaki, são elementos de um tremendo atentado ambiental em curso nas dunas de Tróia. Um projeto que promete ser “a nova Ibiza da Europa”1, pelo caminho arrasando com um dos últimos troços de praias selvagens de Portugal.

Enquanto alentejana orgulhosa sou suspeita de ter um carinho, uma memória especial pela costa alentejana e pelas suas maravilhas naturais. E precisamente por ser uma alentejana orgulhosa que me horroriza ainda mais os projetos megalómanos que querem dizimar as paisagens e ecossistemas entre Tróia e Sines. Oito empreendimentos turísticos de luxo com aldeamentos turísticos, campos de golfe e resorts em cima de dunas.

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A destruição das dunas, a perda de biodiversidade, a impermeabilização de solos e a criação e manutenção de relvados que exigem elevadas quantidades de água – violando até zonas de áreas protegidas – constituem crimes ecológicos inadmissíveis. Num momento em que a previsão da subida do nível médio das águas do mar associados às alterações climáticas agrava-se drasticamente, a fragilização do ecossistema lagunar que previne o risco costeiro – funcionando como barreira a acidentes naturais provindos do oceano – estas projetos são um convite ao desastre.

Pelo meio deste conto de terror nascem três empresas. Três empresas criadas com um capital social de menos de um euro cada. Empresas criadas seis meses antes do investimento. Duas delas sem qualquer atividade anterior registada. Empresas com elevados valores de financiamento não bancário. Já sabemos bem o que significam estes detalhes em empresas de negócio turístico-urbanístico…

Destaco uma destas empresas: Ferrado na Comporta, de Sandra Ortega – a mulher mais rica de Espanha e herdeira da ZARA e do Grupo Inditex. Após ter comprado 340 hectares à Sonae, Ortega conduz o projeto de 5 estrelas Na Praia, uma operação urbanística de 200 milhões de euros a realizar-se sobre as dunas entre Tróia e a Comporta.

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A contestação dos impactos deste projeto por parte de organizações não-governamentais, grupos ambientalistas e ativistas diversos, nomeadamente o movimento Dunas Livres, culminou na interposição de uma providência cautelar, aceite pelo Tribunal Administrativo de Beja em fevereiro, que suspendeu as obras de construção. A resposta da Câmara Municipal de Grândola? Acionar a declaração de interesse público do projeto para contornar os efeitos da providência cautelar e retomar as obras no terreno.

António Figueira Mendes, presidente da Câmara da CDU, justifica-se afirmando que “a paragem forçada das obras compromete a defesa e consolidação dos habitats e ecossistemas (…) e coloca em causa a (…) conservação da biodiversidade”, havendo valas abertas, taludes sujeitos à erosão, tubagens expostas, etc2. Se é tal o risco, quase parece que as obras jamais deveriam sequer de se ter iniciado. É o projeto em si que representa um risco ambiental, social e de segurança.

E tanto mais fica por dizer sobre os interesses privados, a conivência de organismos públicos como a Câmara Municipal de Grândola e os múltiplos incumprimentos processuais, formais e legais neste processo. E para além do Na Praia existem sete outros resorts, a maioria ainda mais grandiosos e ruinosos. Faltam-me os caracteres para descrever tudo isto, mas é claro o impacto negativo que estes empreendimento significam para o ambiente, para o direito à habitação, para o planeamento urbanístico local e para a economia regional.

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Se a Comporta já era um conceito chique, Melides será a “nova grande cena”. Grândola vai “estar na berra” e as aldeias alentejanas vão passar a ser refúgios para super-ricos. O sul do distrito arrisca-se a transformar-se numa marca, extinto das suas comunidades locais e da sua biodiversidade. É a mais elementar manifestação da gentrificação e da elitização dos nossos territórios.

A todas as pessoas que têm doces recordações de infância naquelas praias de charme incomparável deixo o apelo: atentem. O avanço impune destes projetos turísticos será o extermínio do ecossistema natural local, a exacerbação de fenómenos climáticos extremos, o agravamento da pressão especulativa na habitação e o fim da nossa costa portuguesa tão única, tão preciosa. Não permitiremos.

  1. https://sicnoticias.pt/programas/reportagemsic/2021-11-29-Costa-entre-Troia-e-Sines-a-nova-Ibiza-os-novos-Hamptons-a-Saint-tropez-do-Atlantico-3e1d2158

2. https://www.rtp.pt/noticias/economia/camara-de-grandola-quer-reinicio-de-obras-por-interesse-publico-de-projeto-turistico_n1474957

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