Sebastião da Gama e as vivências de Estremoz (4)

Sebastião da Gama e as vivências de Estremoz (4)

Sebastião da Gama e as vivências de Estremoz (4)

, Professor
5 Fevereiro 2025, Quarta-feira
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Acilda Fragoso, a aluna, teve no professor-poeta um amigo e também ela foi motivo de apresentação a Joana Luísa através de carta, em 1951 — em 11 de Fevereiro: “Ontem, (…) encontrei a Acilda e a Maria Emília. Tão bonitas ambas, sob a chuva! Comprei-lhes violetas.”; em 7 de Março: “A Acilda faz anos na sexta. Disse-me o Banha. E eu combinei oferecer-lhe três ou quatro dos poemas deste ano dentro de uma capa feita pelo Banha. Na capa: somos assim aos 17.” Cerca de 60 anos depois da morte de Sebastião da Gama, em 13 de Abril de 2013, Acilda Fragoso evocava-o em Azeitão, mantendo viva a imagem, tal como a senhora que indicou ao visitante onde era o Largo do Espírito Santo: “O pedagogo, o professor amigo e poeta, deixou-nos em 7 de Fevereiro de 1952; no entanto, a sua presença persiste indelével na memória de todos os que tiveram o privilégio de com ele conviver, especialmente dos seus alunos. O Poeta-Professor ou Professor-Poeta, único no seu todo, sabia como nos fazer sentir únicos e como buscar o melhor de cada um dos seus alunos, deixando-nos perplexos com a descoberta de nós próprios. (…) Nesta cidade, de gente pacata, todos conheciam aquele homem barulhento, e que até era o novo professor, sempre de boina na cabeça, trazendo às vezes flores nas mãos, além de livros, porque, falando alto com a sua voz rouca, com todos metia conversa.”

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Desde que chegou a Estremoz, Sebastião da Gama (a viver inicialmente na então Rua das Areias) insistiu na procura de casa para viver com Joana Luísa após o casamento (que se realizou em 4 de Maio de 1951). É numa carta de meados de Março, que, depois de ter desistido de várias propostas e de ter encontrado uma do seu agrado, escreve para Azeitão: “Estou doido com a casa. Vê-se toda a cidade e metade do Alentejo. A praça é engraçada — em frente de duas torres, de um chafariz, de uma capela. A cozinha, triangular, é grande e engraçada. Da janela vê-se quase tanto como do terraço, que é no terceiro andar (no telhado). É inclinado, não serve para lá comer ou trabalhar. Mas para o banho de sol é excelente.” Poucos dias depois, nova longa carta faz nova descrição da casa, terminando com uma promessa: “Vamos gostar tanto da nossa casa e do repouso que tenho cá que não nos apetecerá sair, pois não?” Estava escolhida a morada futura e os preparativos foram acontecendo com a ajuda de várias pessoas, entre as quais, Acilda Fragoso e Guiomar Ávila. Em vista, estava o segundo andar do número 2 do Largo do Espírito Santo, endereço que daria título a poema em 9 de Junho de 1951, registando como local de escrita “Nossa casa”, oito quadras que a apresentam a partir do sonho de quem a habita, do interior do lar e de um “nós” que alimenta todo o poema, talvez um dos mais belos poemas de amor. Publicado pela primeira vez na revista “Árvore”, o título suscitou divergências com a direcção, pois havia quem não aceitasse que uma morada figurasse como título de um poema… Foi preciso que Sebastião da Gama se impusesse e escrevesse ao seu amigo Luís Amaro a não deixar alternativas para o título ou, de outra forma, não aceitaria publicar na revista.

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As imagens de Estremoz perpassam também na correspondência que Sebastião da Gama vai trocando com amigos como Virgílio Couto (o seu professor metodólogo), Cristovam Pavia e Luís Amaro (ambos alentejanos, ambos poetas), António Manuel Couto Viana (poeta), Matilde Rosa Araújo e Lindley Cintra (colegas da Faculdade e professores), José Régio (escritor), António Sampaio (pintor), Pedro Lisboa (médico) ou Albano Ferreira (que fora seu aluno em Lisboa). Nestas missivas, há frequentemente notas sobre a vida em Estremoz, em pequenos apontamentos que constituem recortes interessantes sobre o quotidiano, como se pode verificar na carta enviada a Matilde Rosa Araújo em 13 de Outubro de 1951, relatando um episódio vivido num sábado: “Hoje, logo pela manhã, uma coisa de nada cheia de ternura: no lugar do mercado onde se vende loiça de barro, um prato (não é bem um prato: é fundo e ondulado na beira) com este nome no fundo: MATILDES ROSA! Ó Matilde: o que nós rimos e nos comovemos ao mesmo tempo! Matildes Rosa! Que lindo vai no ‘seu erro de ortografia’ – diria o António Nobre. Comprámo-lo, está à tua espera. Se aparecer outro ficará entre os que têm (esses encomendados) os nomes dos nossos sobrinhos. Para te lembrarmos e eu te lembrar um pouco mais ainda.”

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