Santos da casa não fazem milagres. Lá diz o velho ditado. Mas os nossos santos populares não se coíbem de incitar todos os humanos ao mesmo ritual, quer sejam mais crentes ou menos crentes, porque são uma trindade com especial graça para levar qualquer um a um pezinho de dança, a degustar uma sardinhita, a oferecer um manjerico, a bambolear-se numa marchinha…
Três é a conta que Deus fez. Santo António, São João e São Pedro, os três santos do solstício de verão muito zelosos, cada vez mais a cada ano que passa, actualmente bem cientes da sua missão profano-religiosa de multiplicar as gentes nos seus festejos, dentro e fora da capital. Têm o mérito de proporcionar a boa convivência e a animação entre gentes de todas as fés e de todas as partes do mundo.
São os festejos dos nossos santos populares tão populares como a sua própria génese pré-cristã campestre. Com a boa gente ao longo da história a dedicar-lhe muita devoção e carinho, mesmo entre aquela de pouca fé.
Há um santo que é o escolhido pelas celebrações cristãs, São João. O Batista. O santo de tantas localidades importantes como Porto, Almada, Alcácer do Sal, Alcochete.
Dos nossos três amados santos, a predilecção da parte da juventude vai para Santo António, o casamenteiro, de rosto sereno e bem disposto.
A minha família, há semelhança de muitas, tem considerável devoção por este santo, bons lisboetas que são, uns de nascença, outros nem por isso.
É muito apreciado o magnetismo do nosso brincalhão santo jovem tão amigo do menino Jesus nas histórias que dele se contam. Aquele que dá folga à malta para todos folgarem até mais tarde. Nascido cá e tão cobiçado lá fora.
Eu própria dou por mim a admirar as variadíssimas reproduções que são feitas deste santo padroeiro, com e sem menino Jesus ao colo. E, no entanto, foi São Pedro em Alcântara que me viu nascer e me baptizou na paróquia com o mesmo nome. O santo das chaves na mão. O primeiro Papa, por assim dizer, da Igreja Católica. O santo padroeiro do concelho onde resido, Seixal. Há tantos anos bem lembrado nas cerimónias religiosas locais e no festival de peixe na baía.
Não vivo em Lisboa há alguns anos. Mas é como se vivesse. Até porque o espírito bairrista está um pouco por todo o país. É o encanto festivo que contagia que vem conhecê-lo. Em Setúbal, por exemplo. Mas também noutros lugares da Europa.
Há também a outra inevitável questão menos religiosa dos rituais do templo, que tentamos compreender, que são os vendilhões.
Como são festejos de raiz profana, a profanação da devoção aos santos com o mercantilismo inerente não chega a ser questionável. Até porque não se comercializam objectos religiosos. É mais o rodearem os santinhos de fitas com bolas e bandeirinhas, fumo de sardinhas e quadradinhos com quadras populares, por sinal bem engraçadas. Acho que eles não se chateiam, que até gostam.
E para quem gosta de ver as igrejas de portas abertas e iluminadas até tarde, até se ouvirem as últimas músicas das festas da paróquia, e aproveitar para dar uma saltadinha até ao altar para pedir aos santinhos a paz em falta no mundo, vem mesmo a calhar.
Claro que há sempre quem não goste dos festejos dos santos populares. Cada um com a sua experiência de vida. E há também aqueles que nem gostam, nem desgostam.
Sabemos que é a cultura viva que faz o indivíduo e o grupo a que pertence. A sua cultura familiar. A sua cultura local.
E os santos populares nacionais são sobretudo uma cultura urbana, de contacto vivo com o exterior e propiciador de sociabilização.
Uma vivência tão emergente e tão carregada de memória! Tão cheiinha de fado.