27 Junho 2024, Quinta-feira

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O Serviço Nacional de Saúde

O Serviço Nacional de Saúde

O Serviço Nacional de Saúde

, Médico
18 Janeiro 2023, Quarta-feira
Mário Moura - Médico|

Foi com muito interesse que ouvi anunciar um programa da jornalista Conceição Lino sendo o tema os problemas que se vivem hoje no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Esta jornalista habituou-nos a aprofundar de uma maneira incrível os problemas e os temas que escolhe para os seus programas. E como estamos vivendo um momento dramático no SNS, o meu interesse para ouvir e ver o programa aumentou para a nota máxima.
No entanto, fiquei desiludido. Eu sei que está na “ hora do dia” as esperas nas consultas, as filas nas urgências, as paragens de inúmeras ambulâncias, tempos de espera absolutamente inqualificáveis para doenças e doentes graves. Durante a pandemia os nossos serviços de urgência estiveram permanentemente nos ecrãs dos vários canais de TV. A alta tecnologia dos serviços foi posta em evidência. A imagem das salas cheias de aparelhagem, cheias de frascos vertendo líquidos, cheias de aparelhos que substituem a respiração e até a circulação, médicos, enfermeiros e auxiliares de volta das camas onde estavam os doentes impressionavam toda a gente. A chamada medicina tecnológica subiu ao rubro. E começa de imediato a colocar-se um problema. Será ao Estado que compete cuidar da saúde dos seus cidadãos? Será simplesmente um encargo de cada um de nós ?Eis uma questão verdadeiramente política. O Serviço Nacional da Saúde tem 3 linhagens. Os cuidados primários da saúde ,primários de primeiros e não primários de insipientes. Os cuidados secundários ou hospitalares e a chamada saúde pública. Estamos perante 3 carreiras médicas. Exerci medicina muito antes do 25 de Abril, portanto, muito antes do SNS. Mas fiz parte de um grupo de jovens médicos que meteram ombros à organização dos chamados cuidados primários da saúde. Foi após uma reunião Internacional há muitos anos, em Alma Ata, uma cidade Soviética, que se concluiu que 80% das queixas dos nossos pacientes podem e devem ser tratadas num primeiro contato, nos tais chamados cuidados primários de saúde. Começou, portanto, a valorizar-se a clínica geral. Mas rapidamente se concluiu que o adoecer humano não dependia apenas das alterações corporais, físicas e que tudo era altamente influenciado pelo psiquismo da pessoa segundo Ortega y Gasset :cada ser humano é ele e a sua circunstância envolvente. Há vários anos que psiquiatras , psicólogos e neurologistas iam criando um tipo de medicina a que se podia chamar Biopsicosocial. Os cuidados primários e os cuidados secundários passaram a ser aceites na generalidade de todo o mundo. Mas a evolução da clínica geral para a medicina familiar levou o seu tempo, pois as faculdades de medicina ensinavam anatomia, fisiologia e várias patologias, desprezando um pouco o efeito do psiquismo. É a APMCG que em breve passou a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar que começa a convencer primeiro os próprios médicos ,depois as faculdades de medicina e só depois o poder político. Levou, portanto, um bom par de anos a pôr de pé uns cuidados primários de saúde capazes, com unidades de saúde familiar com certa autonomia, com contratos com o Estado, com remunerações dependentes de se atingirem ou não os resultados daquilo que era contratualizado. E foram aparecendo as USF modelo B ,os primeiros centros de saúde eram o modelo A, e ainda se previa a possibilidade de um modelo C que atingisse o privado e o social. Primeiro problema a Troika. É o Ministério das Finanças, que define quantos modelos A podem passar a modelos B, e o processo começou a andar lentamente. Essas USF satisfaziam os seus utentes, satisfaziam os médicos, os enfermeiros, o pessoal auxiliar. Segundo, mais importante obstáculo, o covid 19. Os médicos de família nos seus centros de saúde, seja de que modelo fossem, foram postos a atender pelo telefone os doentes com Covid 19 que não tinham gravidade para serem internados nas unidades de cuidados intensivos. Foi a destruição verdadeira dos cuidados de saúde primários no seu processo evolutivo, lento, mas seguro, que se estava construindo. Chegamos aos dias de hoje e temos todo aquele rol de críticas que acima enunciámos de gente que não é consultada, de pessoas que esperam tempos sem fim, de hipertensos e diabéticos que não são vigiados, de pessoas sem médico de família, pessoas sem acompanhamento. Numa palavra: um marasmo. Do programa da jornalista Conceição Lino podemos verificar que nos estudantes pretendendo ir para medicina e nos estudantes dos primeiros anos, há uma certa apetência para o serviço público. Não se vai para medicina para ganhar dinheiro. Vai-se para medicina com um certo sentimento de utilidade pública, de entreajuda aos outros e isso não se avalia apenas pela nota. A doença pode ser uma base de negócio ou não? Perguntas que necessitam previamente de uma resposta concreta. Já citamos anteriormente que as estatísticas mostram que 80% das queixas dos pacientes se podem resolver(e resolvem se) nos chamados cuidados de saúde primários. –Será que ainda se pode reconstruir o nosso SNS ? Mesmo com a “basuca”, parece-me difícil. Não vemos nem ouvimos comentadores ou mesmo decisores, equacionar o problema pondo o enfoque na recuperação dos Verdadeiros cuidados primários! Infelizmente a Medicina de Família está moribunda!

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