«Na poesia que se segue aparecerá muitas vezes um eu que não sou eu, mas uma personagem que se move na intemporalidade em procura de uma humanidade que falta à humanidade».
João Santiago é dotado de um profundo humanismo que decorre do seu gosto pela reflexão filosófica, que exprime com elegância e rigor, em tudo o que escreve e na vida que vive, pois ele sabe, que por mais que se desdobre, ele e a sua obra constituem um todo, único e indivisível, como reconhece no texto que escreveu e que figura como epígrafe do seu segundo livro de poesia “Poemas da Asa e da Pedra”
Não gostamos do que não gostamos, mas isso aparece
feito porque somos nós que fazemos. E de novo assim,
e sempre e sempre. Parece-me, contudo, ser isto a
consequência de uma razão que não nos atrevemos,
sequer, a encarar: para toda a parte para onde vamos,
nós vamos connosco.
A poesia de João Santiago, com a qual tomei contacto apenas há uma dezena de anos e sempre através de poemas ditos pelo autor até ao aparecimento daquela obra, abre-nos a um mundo que se ergue em firmes esteios simbólicos, que simultaneamente se estriba e mergulha em referenciais introspectivos que lhe são caros e o acompanha ao longo de toda a obra. A sua linguagem confere-lhe uma unidade, que é o sentido e a forma de que se alimenta a sua experiência estética e que deixa antever, por parte do autor, a leitura de muitos poetas.
Assim, se de algum modo tentasse surpreender o que de mais significativo ostenta a sua poesia é a sua obstinada coerência por uma matriz que se assume, na plenitude da sua subjectividade, na construção de um mundo visto de dentro, mundo singular e inimitável. Mas um mundo que, nem por isso, corta as amarras com o mundo exterior, como se pode ver por estes versos do poema “O Sangue que Herdamos ou o Poema do Homem Comum” que indiciam um olhar atento sobre os homens e o seu devir:
E tantas, / tantas foram as vozes que disseram:/
ajoelhem-se, / que quando se quiseram pôr de pé/
já nem sabiam.
Mas João Santiago não descura a dimensão lírica, própria da melhor tradição poética portuguesa, como no poema “Porta de Saída” e o silêncio, a serenidade, que perpassa na sua poesia, não são uma inevitabilidade, mas um requisito essencial da sua poesia. O autor oferece-se na sua dimensão mais íntima, num diálogo aberto sobre o seu acto de criação, e que, simultaneamente reenvia à vida, abraçando o leitor na procura do segredo das palavras: ”Só de ti levo lembranças: /o teu nome/ que preguei na língua,/ e a gratidão azul/ de ter sido/ contigo.” ( Poema “Outro é o Lugar”).
Seguro do seu rumo, acolhe-se frequentemente na ambiguidade, desafiando o leitor a desocultar o sentido produzido pelas rupturas semânticas que têm em vista a criação de uma atmosfera poética marcadamente própria que, através da associação de palavras, estilhaça uma esperada previsibilidade, como quando escreve no poema “A Asa e a Pedra”: “Nos largos costados/ de uma pedra/ revela-se prodigiosa/ a inquieta asa./Bate, bate, bate/ e nunca é voo.”
Com aquele livro, João Santiago oferece-nos uma poética de maturidade, inquestionavelmente adquirida tanto na cultura, como na aprendizagem da vida. E se, como afirmava António Gedeão, “incomoda ler tantos e tantos poemas indistintos” que se caracterizam pela “ausência de um indicativo pessoal”, não é este seguramente o caso de João Santiago. Sereno, livre e eloquente é o silêncio que fruímos quando o lemos, com o prazer que a qualidade expressiva da sua poesia sobejamente merece.