A sociedade atual valoriza muito mais o saber que potencia o êxito profissional – trabalhadores bem preparados que anseiam obter riqueza- do que o saber que garante a felicidade. A comunicação social, com destaque para a televisão, mostra tanto do que as pessoas podem obter, e elas desejam muito ter tudo, especialmente as crianças.
A família valoriza mais o filho que obtém melhores resultados escolares do que o filho que é feliz. Ora, é no seio da família que a criança realiza as primeiras e fundamentais aprendizagens, contudo é também aí que, tantas vezes, não existe verdade. Geralmente, todos temos duas famílias: a de casa, formada por seres que discutem, reclamam, a mulher grita com o marido, este grita com a mulher, com os filhos, um e outro ameaçam sair de casa, com vontade de ficar…e a família pública, a perfeita: se não é feliz com a sua família, por amor de Deus, disfarce, nunca fale disso em público e ensine os seus filhos a mentir sobre a família de casa. É comummente aceite pelos entendidos na matéria que as neuroses, as perturbações psicossomáticas, mesmo as perturbações mentais mais graves, se adquirem no seio da família. Caro leitor já imaginou se cada um de nós tivesse o comportamento no local de trabalho, no convívio com amigos que tem em casa, talvez não tivéssemos emprego, talvez não tivéssemos amigos? Conclusão: a família é, muitas vezes, a escola da indisciplina, quantas vezes, a escola da falta de respeito pelo outro. Se a família é a principal escola da boa educação, onde a criança tem carinho, amor, e todos, ou quase todos, têm ou tiveram família, por que razão há tanta gente malformada, capaz de viver à custa de outros, de denegrir, de ofender, e até de matar? E por que razão os professores, cada vez mais, se queixam da indisciplina na sala de aula, mesmo que, neste caso, possam existir outras causas? É bom recordar que o sofrimento que tem origem na família acompanha a criança até ao fim da sua vida, e vem à memória milhares de vezes ao longo do tempo, e influencia comportamentos. Vem a propósito recordar uma pequena história, uma dolorosa história, vivida por mim no terceiro ano que exerci a profissão docente, numa instituição de acolhimento de crianças abandonadas: primeira semana de aulas e o Sérgio sempre em silêncio, nada dizia, nada fazia. Peço ao jovem de 11 anos para que no final da aula ficasse na sala para conversarmos. Começo por o alertar que teria de trabalhar para um dia poder ter emprego e alimentar os filhos. Resposta imediata: não preciso de saber nada, nunca vou ter filhos, vou ser preso! Preso, por que razão? Pergunto. Vou matar o meu pai, pois ele matou a minha mãe à minha frente! Caso extremo, mas paradigmático.
A criança nasce com capacidades de aprendizagem extraordinárias: chega ao mundo e aprende de imediato a respirar, a chorar, procura avidamente o leite materno; logo que gatinha quer percorrer todo o espaço possível, logo que percebe guarda, tudo o que faz aprende. A famosa frase do pai, da mãe «por enquanto ele é muito pequeno, mais tarde, vai aprender», deve ser varrida do seio familiar. A curiosidade nasce com a criança, o adulto deve orientá-la e não castrá-la dessa característica fundamental às aprendizagens. Obviamente, não se deve ensinar ética e moral às crianças de tenra idade, mas sim a adquirir/desenvolver pequenos hábitos fundamentais ao seu bem-estar físico, mental e social quer no presente quer no futuro. Como afirmou José Gaiarsa «a mãe que dedica meia hora a ensinar pequenas ações e cuidados do quotidiano está ganhando dez anos de escravidão a menos no futuro. Se não ensinar nesse período, por imitação e orientação prática, terá de fazer pelo filho, e ele dificilmente fará por si mesmo.». Acrescente-se «a mãe» ou o pai!