22 Julho 2024, Segunda-feira

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Entre as expressões folclóricas e o 25 de Abril de 1974

Entre as expressões folclóricas e o 25 de Abril de 1974

Entre as expressões folclóricas e o 25 de Abril de 1974

17 Abril 2024, Quarta-feira

O primeiro dá nome à única escola secundária da freguesia da Quinta do Conde sem que o seu nome e obra sejam lá abordados. Por trás do seu nome, infância e viagens (desconhecido pela totalidade dos jovens estudantes daquela escola, arrisco-me a dizer), está um trabalho notável e importantíssimo – sobre o qual recomendo a vossa pesquisa e entusiasmo – que nos permite hoje compreender, com a verdadeira precisão das coisas, os hábitos, costumes, assim como o percurso cultural do povo português que é intrínseco atualmente aos fatores socioeconómicos da nossa comunidade sem que a maioria de nós se aperceba. Não andamos distraídos, somos é pouco estimulados para esta(s) temática(s). O segundo, é considerado um dos maiores compositores portugueses do século passado, ex-militante comunista e estudioso da etnomusicologia portuguesa e que em conjunto com Michel Giacometti percorreram, de norte a sul do nosso país, os maiores e menores povoados rurais, caminhos desconhecidos e de difícil acesso, do mais alto cume ao mais baixo valado para ver, ouvir e gravar a essência de um povo que desde a fundação do Estado Novo se mascarava (pela máquina de propaganda do regime) de algo venusto e honroso.

Mesmo vendo os pedidos de apoios financeiros esbarrados para os seus projetos de recolha, Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça lançaram-se e começaram a caminhar sobre uma careca que o regime teimava impedir destapar. Os dois, numa carrinha, parando aqui e ali, e em fraternal convivência com o povo português presenciam uma realidade diferente daquela que os grupos/ranchos folclóricos durante o regime fascista pintavam nas suas aparições. Mesmo que os grupos folclóricos, polifónicos, corais ou simplesmente de “danças tradicionais” tivessem orientações temporais de representação, Giacometti e Lopes-Graça assistem a uma desconexão dessas representações com a realidade rural do país, a qual se veio verificar, anos mais tarde, com o trabalho de pesquisa de José Alberto Sardinha e outros etnólogos. De um lado, os trajes limpos, coloridos e com medidas mais curtas, vozes em sintonia e danças pormenorizadamente bem executadas; do outro lado, ainda um povo descalço, roupa com remendos, cantares desafinados ao ritmo do toque da enxada na terra ou à medida que a roda do moinho se movia, caras sujas, paludismo e febres, saias bem mais compridas e pares “pé-de-chumbo”. É sobre «o outro lado» que as duas personalidades se debruçaram e realizaram um trabalho inspirador para gerações futuras. Foi esse trabalho de recolha que reforçou a consciência para uma representação mais autêntica dos grupos folclóricos em Portugal depois do 25 de Abril e que se materializou, em parte, na Federação do Folclore Português em 1977, a partir daqui voltou-se ao terreno, à pesquisa, ao debate e às interpretações sobre as nossas origens e tradições sustentadas em factos e relatos populares e não aquelas “maquilhadas” pelo regime com propósitos manipuladores de classe. A inspiração não se esgotou no movimento folclórico federado, mas também em grupos e bandas musicais que viram naquele trabalho etnomusical uma oportunidade de valorizar as suas composições conjugando um sentimento de pertença comunitária e preservando, de alguma forma, o percurso sociocultural do povo português.

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Na celebração dos 50 anos da Revolução dos Cravos têm-se recordado e debruçado sobre diversas personalidades que contribuíram para esta nossa cinquentenária “nova” sociedade e nos últimos tempos é o nome de Michel Giacometti e de Fernando Lopes-Graça que não me sai da cabeça, e pergunto-me como estaria a nossa cultura popular sem o trabalho destes dois e de outros tantos etnógrafos, etnomusicólogos e etnólogos? Em Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça, recordemos todos os portugueses e portuguesas que se têm dedicado à recolha, estudo e divulgação das nossas tradições populares, pois são elas que nos permitem reconhecer o trajeto do povo português e definir não só o que queremos, mas acima de tudo o que não queremos!

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