Mário Soares, considerado por muitos como “o pai da democracia portuguesa”, afirmou nos anos noventa, aquando do bloqueio à Ponte 25 de Abril, que os Portugueses tinham direito à indignação. O homem que apelou ao direito à indignação, praticou-o de forma determinada.
Era um jovem, quando se indignou contra a ditadura salazarista/marcelista, militou no MUD juvenil, levantou a voz para contar o caso “ballet rose” e contra as arbitrariedades do regime, foi preso, foi deportado para S. Tomé e Príncipe; no chamado “verão quente de 1975”, indignou-se contra a esquerda revolucionária e foi gritar bem alto a sua indignação para a fonte luminosa, em Lisboa; indignou- -se contra a miséria em que vivia o povo português- escrevia-se num jornal estrangeiro que os portugueses ainda andavam de burro- e tudo fez para que Portugal passasse a fazer parte da CEE, atual União Europeia.
Foi Mário Soares quem assinou o tratado de adesão. Se compararmos o Portugal de antes com o Portugal de depois da adesão, não deixaremos de concluir que o país se modernizou.
À medida que o tempo passa, parece que os Portugueses vão esquecendo Mário Soares, vão abdicando do direito à indignação. Por que razão muitos centros de saúde continuam fechados e o povo não se indigna? Um dos meus vizinhos, com 82 anos, diz: «telefonámos 20 vezes para o centro de saúde, mas ninguém atendeu. Fui ao médico particular, paguei 90 euros pela consulta mais os medicamentos». O valor da sua reforma é de 400 euros mensais.
Por que razão muitos lares são armazéns de velhos e o povo não se indigna? Será que o caso de Reguengos de Monsaraz não justifica que a população vá para a rua exigir respeito por aqueles que tanto deram ao país? Precisei de pagar um imposto, mas como tinha algumas dúvidas, telefonei, durante uma semana, para as finanças, ninguém me atendeu. Dirijo- -me à repartição. O segurança informa: “só pode ser atendido com marcação Direito à indignação feita através do telefone”. Mostro o número de chamadas feitas, guardadas no telemóvel; responde-me: “continue a tentar”. Indignei-me: solicitei o livro de reclamações.
O segurança olha-me bem de frente, repito que quero o livro, o homem entra no edifício, regressa pouco depois. “Pode telefonar agora que será atendido”, garante. Assim aconteceu; fui atendido nesse mesmo dia. Meia dúzia de cidadãos indignados que se encontravam à espera seguiram o exemplo, todos foram atendidos.
Em março de 2013, desempenhava Passos Coelho o cargo de primeiro- -ministro, perante a indignação de milhares de portugueses que foram para a rua protestar contra a austeridade, Mário Soares afirmou: “Ficará o Governo a gozar do silêncio? Não creio que a sua vergonha vá tão longe. Porque, se assim for, a indignação pode tornar-se violenta.” Acrescentou ainda o homem que foi Presidente da República que não gostaria nada que tal acontecesse. “Mas quem não ouve e não tem controlo, como o Governo, sujeita-se a tudo”. Se Mário Soares fosse vivo de que modo mostraria a sua indignação perante a atual situação dos centros de saúde e de outros serviços públicos? Certamente repudiaria que o covid19 é o único responsável.