No meu tempo de “catraio” usava-se muito esta expressão quando se queria dizer dum problema de solução complicada que o melhor era tirá-lo das nossas preocupações, arrumá-lo para fora do campo e assim afastá-lo da nossa vista e das nossas preocupações. O problema era assim adiado e deixava de nos preocupar.
Correu-me usar esta expressão ao ver e ouvir as notícias do findar da última parte do sínodo da nossa Igreja, convocado pelo nosso Papa Francisco há meia-dúzia de anos. Um sínodo rigorosamente organizado para renovar a nossa Igreja muito acusada de estar há muito desfasada da realidade da actual maneira de viver.
Sabemos que o grande e poderoso “edifício” da Igreja católica está regido por regras muito antiquadas que faziam com que até as celebrações fossem “minguando” em número de praticantes e, especialmente, afastando muita gente da própria prática religiosa. Diminuía duma maneira acentuada os chamados “praticantes”.
Durante séculos a vida e a organização da Igreja regiam-se por regras doutrinais com seculos de existência, até que o Papa João XXIII convoca o Concilio Vaticano II que durou três anos e dele saíram estudos profundos e textos extraordinários sobre toda a doutrina, organização e fundamentos teológicos actualizados, fundamentados numa observação moderna da vida e das consequências da aceitação de Jesus Cristo como Deus gerado no ventre de Maria – uma jovem judia. O Seu filho (Jesus Cristo) aos 30 anos assumiu-se mesmo como Deus. Viveu ensinando o Bem e o Amor ao próximo. Os papas que se seguem constroem uma verdadeira doutrina social para ser seguida pelo “povo de Deus”, mas mantinha-se sempre toda uma hierarquia poderosa que controlava toda a vida de quem se dizia cristão.
Um apontamento interessante: depois desta extraordinária modernização conciliar, aqui entre nós, a única “modernização” foi o sacerdote passar a dizer a missa em português (e não em latim) e o sacerdote deixar de estar de costas para a assembleia dos fiéis – sinais evidentes da imobilidade estrutural da nossa Igreja.
Surge como papa um argentino, contaminado pela Teologia da Libertação, uma forma que declarava o Cristianismo como tendo uma função libertadora da pobreza, do domínio do ter sobre o ser, uma esperança para os povos pobres e explorados. Este papa resolve convocar um sínodo onde seja ouvido todo o “povo de DEUS”, tudo organizado meticulosamente: os cristãos de cada paroquia (sacerdotes e leigos) discutiam entre si os problemas previamente encontrados, depois o resultado dessa consulta de todas as paróquias daria aso a um documento da diocese e todos os resultados das dioceses dariam como fruto um documento do País. Todos os países europeus deram um documento da Europa e assim por todo o Mundo. Este sínodo que duraria três anos tiraria conclusões que voltaram às bases para serem estudadas e modificadas, tendo para tal mais três anos para serem de novo lidos estudadas e renovadas. Ainda mais notável, nesta sucessão de reuniões participavam, desde as bases, leigos e leigas! Uma organização inovadora e já de si transformadora da vida das Igrejas dos vários países. As esperanças de modernização e de modificações importantes são esperadas por muitos cristãos. É facto que as tais reuniões durante estas duas series não deram entre nós muito movimento e ansiedade – o alvoroço variou de diocese para diocese e certamente de país para país. Mas a aproximação do final do sínodo provocava algumas expectativas nalguns cristãos (tenho receio de dizer em muitos).
Desde sábado passado, os meios de comunicação cristãos estavam alerta e ansiosos. As fotos abundantes que davam a notícia do encerramento mostravam a alegria esfusiante dos participantes, uma alegria contagiante. Num dos jornais que o computador me trouxe até casa dei por acaso de caras com o nosso antigo bispo, hoje Presidente do CER, e as suas declarações eram duma alegria esfusiante.
Os milhares de participantes, bispos, cardeais, teólogos e teólogas, professores e vários doutorados levaram seis meses para concluir que a Igreja tem problemas! Que agora irão ser bem estudados por grupos de estudo para ver como podem ser solucionados (se podem!). Com esta conclusão custou-me a compreender tanta alegria!
Na minha juventude chamava a isto “chutar para canto”.
Uma conclusão era evidente: A nossa Igreja deixou de ser universal, passamos a ser um conjunto de igrejas locais que que crêem num só Deus… E têm problemas.