Em meados de Maio, a pedido do PAN, o “Projecto de Melhoria da Acessibilidade Marítima ao Porto de Setúbal” foi mais uma vez ao Parlamento. O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Ministro do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) voltaram a debruçar-se sobre o assunto, voltaram a ouvir as nossas questões… e voltaram a não prestar todos os esclarecimentos solicitados!
Mas recuemos um pouco atrás no tempo. O próprio processo de consulta pública foi algo polémico devido à sua opacidade. Grande parte da população não se sentiu ouvida acerca dos impactos que a obra iria ter nas praias, na pesca e no turismo. O estudo económico só apareceu a meio do processo. Não houve um estudo sério do impacto do aumento da capacidade do porto no tráfego regional, no ruído e na qualidade do ar. Mais, o aumento do Porto de Setúbal não seria necessário uma vez que na região, em Sines, existe já um Porto internacional com a capacidade desejada, sem haver qualquer impacto negativo no ambiente e na economia da região.
Ainda assim, e apesar das inúmeras lacunas do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), corroboradas pela Comissão de Acompanhamento, a Declaração de Impacto Ambiental foi emitida pela APA e as dragagens iniciaram-se em Dezembro de 2019.
Compete, desde então, à APA efectuar o procedimento de Pós-Avaliação, que inclui a análise dos relatórios de monitorização. Segundo é do nosso conhecimento, estes documentos já estarão em posse da APA, mas não se encontram disponíveis publicamente para consulta. E quando solicitados, foram-nos negados! Aguardemos, portanto…
Aguardemos também justificações para as diversas vezes em que a draga trabalhou fora da localização licenciada e que o site que monitoriza as suas deslocações não esteve funcional.
Há ainda a assinalar o aumento significativo de golfinhos mortos na zona de Setúbal e Grândola, precisamente a partir do mês em que se iniciaram os trabalhos. Segundo dados do MAAC, entre Janeiro e Novembro de 2019 (11 meses) apenas foram identificados 4 golfinhos mortos, mas logo no mês seguinte, em que se iniciaram as dragagens, foram encontrados 5. E entre Dezembro e Fevereiro de 2020 (3 meses), o número de golfinhos mortes chegou aos 10. Mesmo sabendo que não são os roazes do estuário, não podemos ignorar estes dados. Será coincidência? Não creio…
Outra questão intrigante relaciona-se com a Pedra Furada, supostamente protegida pela sua classificação como local de interesse público, e que nem sequer faz parte do EIA do projecto. No decorrer das obras preparatórias, a zona submersa deste geomonumento foi removida sem haver parecer da Direcção Geral do Património Cultural, o que parece ser uma contraordenação grave à Lei n.º 107/2001 que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural!
Mais uma vez, parecem constantes os atropelos à lei, bem como a desconsideração pelo património natural que tanto urge proteger. Há aqui claramente uma hierarquia, na qual os valores económicos estão sempre no topo. Perante os dados que nos têm chegado, bem como as ausências de esclarecimentos que tanto temos solicitado, parece-me que no caso das dragas existem danos efectivos.