29 Março 2024, Sexta-feira
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Bocage pelo olhar de Calafate (3)

O centenário bocagiano de 1905 foi intensamente vivido em Setúbal, com o jornal “O Elmano” a envolver a população.

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Houve hino a propósito; conferenciou-se, recebendo Setúbal palestrantes como Manuel de Arriaga (1840-1917) ou Teófilo Braga (1843-1924); foi cunhada moeda de prata; o artista João Vaz esculpiu a lira que passou a adornar o monumento a Bocage; o cortejo de 21 de Dezembro foi apoteótico, com carros alegóricos, iluminações e filarmónicas; os participantes setubalenses nesse dia de festa rondaram os quinze mil, além de seis mil “forasteiros”, vindos sobretudo da capital.

António Maria Eusébio, no folheto “Cantigas para Guitarra”, de quatro páginas, publicado ainda em 1905 ou em 1906, reportou o evento em quatro poemas, como anuncia logo na primeira quadra, mote para o primeiro conjunto de décimas – “Parabéns irmão Bocage / Para ti nada faltou / Do teu primeiro centenário / Segunda memória ficou.” -, evidenciando o sucesso das realizações e a comparação, na grandiosidade simbólica, com o que acontecera 34 anos antes, na inauguração do monumento a Bocage.

A impressão que ficou no “Calafate” foi tão intensa que a primeira décima se inicia pela hiperbolização – “Não é no século actual / Nem outro que há de vir / Que algum povo há de assistir / A um centenário igual.”

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No seguimento da narração, depois de considerar que “foi festejo extraordinário” (com “quatro arraiais”, “três sociedades”, “duas bandas regimentais”, “quatro oradores”), aconselha o poeta: “Se no teu itinerário, / Encontrares Camões, / Conta-lhe as manifestações / Do teu primeiro centenário.”

O segundo poema toma como assunto a limpeza que foi feita à estátua por um “peneireiro” habilidoso, fala de alguma desolação pelo final da festa (“Agora tudo tornou / Ao seu primeiro estado / Está o festejo acabado / Sem haver perdas nem danos / Para daqui a cem anos / Ficou tudo preparado.”) e denuncia o facto de não ter sido permitido ao “velho cantador” aproximar-se do centro do evento – “Também quis acompanhar / Esse teu rico festejo, / Mataram-me o meu desejo, / Não me deixaram passar. / Antes eu queria levar / Um bofetão no meu rosto, / Mas sofrendo esse desgosto / tornei p’ra trás, vim-me embora.”

A adesão de António Maria Eusébio a Bocage decorria das informações que lhe chegaram através de uma conhecida figura setubalense, que teve o condão de divulgar a história, as ideias e a importância do poeta, como reconhece: “Quando eu ignorava / Quem Bocage tinha sido, / Tive um velho conhecido / Que dele muito falava. / Valia ninguém lha dava, / Seu saber estava oculto, / Depois que houve o tumulto / Da sua inauguração, / Muitos dizem, e com razão, / Bocage foi grande vulto.”

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Consegue-se inferir a referência a Manuel Maria Portela (1833-1906), um dos maiores promotores da figura de Bocage em Setúbal. No último poema do folheto, o tom é algo mais brejeiro.

Referindo a conservação da escultura bocagiana, anota: “Tu estavas tão mascarrado / Dos pés até ao pescoço, / Agora és um rapaz moço, / Barba feita e cu lavado.” E, quanto à lira deposta na base do monumento, ri o “Cantador” – “Tens uma lira afinada / Que custou tanto dinheiro, / Sendo tu tão bom gaiteiro / Já não dás uma gaitada.”

A finalizar, o “Calafate” exagera, dizendo ao poeta maior: “Ainda hás de ser aclamado / Por D. Bocage primeiro” e “Também hás de ser c’roado.” À sua maneira, António Maria Eusébio contribuía para a promoção de Bocage, prolongando o inebriamento da festa que honrara o poeta…

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