25 Abril 2024, Quinta-feira
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Bocage pelo olhar de Calafate (2)

Reconhecendo a distância cultural e social entre si e Bocage, o “Calafate” dialoga com a memória de Elmano Sadino, tendo-lhe dedicado três dos seus folhetos e algumas décimas avulsas.

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O primeiro, “Cantigas dedicadas ao Centenário do grande poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage”, de 1905, antecedeu a celebração do centenário do falecimento do poeta, ocorrido em 21 de Dezembro.

Na primeira quadra, é assinalada a coincidência biográfica quanto a Dezembro (falecimento de Bocage, em 1805, e nascimento de António Maria Eusébio, em 1819) – “Bocage dá-me licença / Que eu quero falar de ti, / No mês do teu centenário / Tu morreste e eu nasci.” -, proximidade logo contrariada pela diferença cultural (“Bocage tinhas nascido / Para ser astro brilhante / E eu nasci para ignorante / E nada ter aprendido.”) e pela distância social (“Sou um velho sem valor, / Ao pé de ti sou um pobre; / Tu filho d’um homem nobre / E eu filho d’um pescador.”) O poema termina a lamentar a forma de se afirmar a memória – “Só uma falta conheço, / E talvez haja outras mais, / São os teus restos mortais / Não estarem ao pé de teu berço.”

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Nas décimas seguintes, o elogio bocagiano sublinha a vida difícil que levou, oposta à glória de que se revestia passados cem anos – “Este é o senhor da festa, / O poeta setubalense, / Tudo isto lhe pertence, / Mas para ele já não presta. / (…) / Foram precisos cem anos / Para ser tão festejado”. Bocage é ainda comparado com Camões, pela miséria em que ambos acabaram – “Se mais tivesse vivido / Sofreria privações, / Seria o que foi Camões, / Que foi na vida esquecido.” Neste preâmbulo aos festejos do centenário, é relembrado que também “em Dezembro a sua imagem / Teve a inauguração” (referência à festa de 1871, aquando da inauguração da estátua) e regista-se o envolvimento social e as influências – “O lojista e o proprietário, / O poeta e o camarista, / todos estes fazem vista / Na festa do centenário. / Não lhes falta o numerário, / Nem falta a boa vontade; / Nenhum tem necessidade / De certos expedientes, / De homens tão influentes / Grande é a sociedade.”

Seguem décimas sobre diversos assuntos elmanistas: biografia bocagiana (valorização da sua arte, alistamento no Regimento de Infantaria de Setúbal, relação de Bocage com o dinheiro e com a vida nocturna, passagem pela prisão, morte em Lisboa); familiares de Bocage que o “Cantador” ainda conheceu – o padre Francisco Barbosa du Bocage (“Este padre espiritual / Chorava pela sua cela: / No convento de Palmela / Foi freire e conventual.”) e Maria Luísa du Bocage, casada com João Lima (“Pois dos Bocages viventes / Só um ramo está em cima, / É o ramo Bocage Lima, / Um dos últimos parentes.”); comparação da “obra rica” do homenageado com a “obra pobre” do “Cantador”; reconhecimento de Bocage em Portugal e no Brasil e necessidade de haver sempre um monumento em sua honra em Setúbal.

Quase no final do folheto, duas décimas reflectem sobre o talento e a fortuna, aproximando-se o “Calafate” de Bocage quanto à sorte, pois sente-se “ora farto, ora faminto, / como Bocage viveu.” A conclusão acontece em quatro décimas, diálogo entre Bocage e o autor, gesto de proximidade social, em que, após agradecimento ao patrono, o “Cantador” se despede – “Seja eu bom ou ruim, / Minhas cartas estão dadas; / Já tenho as contas fechadas / Brevemente darei Fim.”

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