27 Abril 2024, Sábado
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Sempre na ordem do dia

“Por muito paradoxal que nos possa parecer esta palavra, nós podemos avançar que, na história da cultura humana, o nosso tempo arrisca-se a aparecer um dia como que marcado pela prova a mais dramática e mais laboriosa que possamos imaginar, a descoberta e a aprendizagem do sentido dos gestos os mais “simples” da existência: ver, escutar falar, ler – estes gestos que metem os homens em relação com as suas obras, e estas obras revolvidas na sua própria garganta, que são as suas “ausências de obras” (tradução livre de “Do Capital à Filosofia de Marx”, prefácio a “Lire Le Capital”, de Louis Althusser, 1965).

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Se bem me recordo, a evocação deste texto já teve razão de ser, nas páginas da Península, fruto da experiência da entrega de um documento de propaganda eleitoral do PCP a um homem de idade, quando numa manhã bem cedo – nos Foros do Trapo, talvez – o recebeu das mãos de uma brigada de militantes comunistas, a qual ao entardecer do dia, de regresso a Setúbal, o reencontrou no mesmo local teimosamente a percorrer com a vista já cansada o texto que permanecia intemporal. Se há sempre alguém que resiste, ali estava a prova de que, recortado por um magnífico sol poente, igualmente há sempre alguém – decididamente o mesmo sujeito – que lê.

Vem isto de novo a propósito da venda num contacto directo com trabalhadores de várias empresas e com a população em geral do Avante!, calhando-nos agora, e outra vez, a Autoeuropa  (está na ordem do dia), onde no caudal da entrada e saída do turno da tarde de centenas e centenas de trabalhadores, particularmente de jovens trabalhadores (a quem a Administração chama “colaboradores”), um deles, já com o órgão central do PCP na mão mas com o passo corrido para o autocarro, exclamava em jeito de desafio e comprometimento: “Vocês apostam que alguém lê…”

Se Althusser tivesse conhecido as duas experiências, quiçá a sua formulação estabelecesse como arco do tempo o tempo de gerações onde a quietude de uma leitura dá progressivamente lugar – imagina-se – a um regresso sem tempo para nada senão para, produzida pelo grande capital, uma ideologia da classe dominante que cuida da vacuidade das emoções e do pensamento como padrão dominante. O homem que lia naquele tempo todo que citámos aparentava ser indiferente ao resultado, não por demissionismo mas só, adivinha-se, por tenaz tenacidade. O rapaz a correr com o Avante! oferecia-nos a garantia de usá-lo o melhor possível. É a outra dimensão dos gestos os mais “simples” da existência.

Valdemar Santos
Militante do PCP
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