Sete horas da manhã! Toca o telefone. Mais um domicílio como era habitual – e para os bairros pobres da cidade.
Atendi e gritou-me um amigo: Mário, abre a televisão, há uma revolução! Corri para a TV e ouvi: “aqui, comando do movimento das forças armadas! Pede-se a todos os cidadãos que não saiam de casa . As forças armadas têm em marcha um movimento para depor a ditadura que nos oprime há 40 anos!”. Como era inevitável, fiquei em grande alvoroço.
Nasci em 1927! O Marechal Gomes da Costa arranca o seu movimento sobre Lisboa para acabar com a balbúrdia dos primeiros anos da República.
E, em 1927, chama Salazar para o governo. Vivi sempre sob a ditadura fascistoide que Salazar instituiu – com partido único e com polícia política, calaboiços escusos, torturas e até campo de concentração! Entro na Universidade e tinha sido preso Salgado Zenha, faço parte de duas direcções da associação académica e fui admoestado pela PIDE por algumas iniciativas e vi Coimbra ocupada pela polícia e pelo exército, em determinada altura.
Venho para Setúbal e ao fim de três meses ainda não me era concedido passaporte, que só veio com a “cunha fiadora” do secretário do Governo Civil que, jovem como era, convivia com os jovens do Círculo Cultural.
Espero mais de três meses para vir a nomeação para director dos Serviços Médico Sociais para que fora convidado. Igualmente foi necessário que o Delegado do Trabalho, afecto ao regime, mas casado com uma médica amiga, metesse uma “cunha”!
Após a saída da primeira legislação que instituía a Medicina do Trabalho, fui para a Secil e, para não “obrigar” os trabalhadores a usarem capacete, botas de biqueira de aço ou amortecedores de ruido, decidi fazer uma aula semanal, a que chamei “manhãs de segurança”, para explicar a necessidade de utilizar os meios de protecção individual.
Meses depois recebi ordem da administração para parar. Indaguei porquê e a resposta foi sintética: “trabalhador instruído é trabalhador reivindicativo” – ordem da PIDE!
Fui director do Noticias de Setúbal – órgão oficial da Igreja – e penso que nenhum número vinha das mãos do censor (o capitão Almeida) sem cortes que havia que substituir. Ai! Se me passasse pela cabeça que haveria a revolta dos capitães, teria guardado toda a literatura cortada! Até comentários das conclusões do Concilio Vaticano II eram cortados!
Falavam de humanidade, de Liberdade ou de dignidade dos trabalhadores ou ainda do poder manipulador do grande capital – isso era comunismo o terror dos salazarentos! Tenho recentemente em meu poder uma vintena de cartas enviadas pela PIDE de Setúbal dando informações dos meus movimentos a pedido da PIDE central – afinal andei sempre (sei-o agora) com uma “sombra” atrás de mim.
E quantas vezes para ouvir Zeca Afonso, meu contemporâneo em Coimbra, ou Fanhais ou Adriano, o fazia com três ou quatro amigos nos recônditos da minha casa pois tal era música proibida e discos apreendidos!
E no primeiro 1.º de Maio em liberdade não esqueço todo o povo de braço dado percorrendo a cidade de ponta a ponta cantando e celebrando a Liberdade – enquanto em Lisboa, num estádio repleto para ouvir Soares e Cunhal vindos do exilio, helicópteros lançavam cravos vermelhos sobre a multidão! Que Revolução! Não posso esquecer este dia 25 de Abril, dia da Liberdade!
As pessoas de 50 anos de idade- até essas – não sentem verdadeiramente o que é a Liberdade! Não é possível esquecer esta data que nos trouxe a Liberdade, hoje igualmente muito ameaçada e débil! Não queria deixar este belo mundo terreno sem deixar plasmado no papel d’O SETUBALENSE esta minha recordação do “meu 25 de Abril”.
É necessário que todos – os mais jovens – pensem no que é a falta da Liberdade que, em boa verdade, nos pode fazer pender para a opressão e o domínio ou para a liberdade! É uma opção!
