Há dias bebericava o primeiro café da manhã quando, perante imagens televisivas de um confronto de jovens à porta de um estabelecimento escolar, escutei comentários sobre a evoluída capacidade de discernimento juvenil e a necessidade comunitária de intervenção. Lembrei-me, de imediato, do que em tempos aprendi nas aulas de Ciências Naturais sobre as principais evidências da evolução de Darwin e o quanto me custou explicar à minha mãe a perda da importância do dente do siso. Sempre que lhe mostrava quão desejosa eu estava por entrar na idade adulta, a minha mãe pedia-me calma. Ela havia de chegar com o nascimento dos dentes do siso. Com sorte, para mim, entre os longínquos 18 a 21 anos de idade.
Em Portugal, a relação da lei com o limiar da idade é paradoxal. Por um lado, para o direito civil é menor quem não tiver completado 18 anos, em alinhamento ao limite etário previsto na Convenção dos Direitos da Criança. Como incapacidade geral, a menoridade impede a regência da própria pessoa e a disposição de bens, a aquisição de direitos, o assumir obrigações por ato próprio ou por via negocial, exceto quando estejam em causa atos de administração ou de disposição de bens que se hajam adquirido por força do trabalho e impede o exercício ativo da cidadania: os menores de 18 anos não podem votar ou ser eleitos, não podem casar exceto se emancipados, está-lhes vedada a compra de bebidas alcoólicas, a possibilidade de conduzir viaturas automóveis. Não podem viajar sem a devida autorização, nem assinar um acordo de trabalho e, se adoecerem, são encaminhados pelo SNS para valências de pediatria.
Países como Espanha, França, Itália, Finlândia, Alemanha, Irlanda ou Grécia adotaram os 18 anos como a idade de referência para a imputabilidade penal considerando que, antes dessa idade, não está ainda completo o processo biológico que transforma o jovem em adulto. Em Portugal, não é assim. Ancorando-se o limiar mínimo da punição na idade adulta numa perspetiva desenvolvimental, o legislador estabeleceu os 16 anos de idade como o limite a partir do qual um jovem se torna responsável pela prática de factos classificados pela lei como crime e o tornam arguido em processo penal.
Assentemos, por isso, na ideia que a maioridade civil não se corresponde exatamente com a imputabilidade penal.
Não obstante a formulação do juízo de culpa indispensável ao direito penal pressupor necessariamente que o agente disponha, no momento da prática do facto, do tal discernimento e capacidade de autodeterminação perante os valores jurídico-penais, as neurociências e a psicologia explicam que variáveis com reflexo no desenvolvimento cognitivo, moral ou ético, social e biológico do cérebro designadamente, ao nível do volume do hipocampo, da amígdala e do córtex pré-frontal são determinantes para se ajuizar da responsabilidade do jovem na tomada de decisões, do seu controlo de emoções, do julgamento do certo e do errado, da associação ou distanciamento a valores comunitários, em evidente relação com as transformações físicas e psicológicas decorrentes da puberdade. A completude do desenvolvimento de um jovem pode, ou não, se verificar aos 16 anos de idade estando dependente de uma maturidade que pode atingir-se depois, mas previsivelmente a ocorrer até aos 21 anos de idade. Numa época em que o alargamento da condição juvenil se prolonga no tempo numa difícil encruzilhada de transição para a vida adulta, a transposição da Diretiva (UE) 2016/800, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11-05-2016, para a nossa ordem processual penal, através da Lei n.º 33/2019, de 22-05, ao considerar que menores são as pessoas com menos de 18 anos que, precisamente pela idade beneficiam do alargamento das garantias processuais reguladas, relança a discussão sobre a convergência dos limites da maioridade civil e penal dos jovens, como o recomenda a Convenção dos Direitos da Criança, na compreensão do seu superior interesse.
Na verdade, tal como a erupção dos dentes do siso surge diferenciada na marca individual do tempo biológico de cada individuo, outrossim a maturidade que a responsabilidade penal pressupõe aos 16 anos pode, em alguns casos, não ter correspondência com o desenvolvimento emocional ou com a presença de autocontrolo. E daqui para o início, sendo justamente pouco rigorosa a afirmação que todos os jovens com essa idade possuem uma evoluída capacidade de discernimento só a avaliação casuística de uma personalidade em formação poderá firmar, com a certeza que se impõe, o rigoroso juízo de censura penal.