A propósito de se ter ultrapassado em democracia os dias vividos em ditadura, e aproximando-se a comemoração dos 50 anos da “revolução dos cravos” em 25 de Abril de 2024, deu-se início a um período de comemorações, no Pais e igualmente na nossa cidade de Setúbal onde fez vida um dos ícones da nossa revolução – o Zeca Afonso.
Ora, não havendo muitas pessoas vivas que tenham sofrido as inclemências da ditadura de Salazar e Caetano e assim possam dar testemunho da alegria da conquista da Liberdade e duma vida em Democracia, resolvi abordar o tema, até por se estar vivendo a tragédia dum povo lutando valentemente pela sua liberdade ainda muito recente – estamo-nos referindo logicamente ao drama da Ucrânia invadida pelo imenso poderio militar da Rússia de Putin.
Felizmente o nosso regime opressor estava tão “podre” que caiu praticamente sem derramamento de sangue, e o povo em vez de ter de lutar pelas armas viveu em alegria encavalitado em cima das chaimites de Salgueiro Maia.
Em Coimbra vivi a luta académica (nos anos 40!) enquanto dirigente da Associação Académica, e aqui em Setúbal “lutei” com o jornal que dirigi e que era propriedade da Igreja – o Notícias de Setúbal que certamente não teve nenhum número sem cortes do Capitão Almeida – o censor de serviço.
E por causa da PIDE esperei meses por um passaporte, pela nomeação para director dos Serviços Médico-Sociais das Caixas de Previdência. E vi proibidas lições sobre segurança, como médico do Trabalho pois “trabalhadores esclarecidos eram trabalhadores reivindicativos”, foi a razão da Polícia Política.
E, depois do 25 de Abril muita gente se mostrava surpreendida(!!) com a opressão de que se queixavam os amantes da liberdade, mas um ou dois meses após a revolta dos capitães fui chamado à polícia onde dois oficiais do MFA me perguntaram se tinha alguma queixa contra uma pessoa grada da terra, directora duma escola onde eu fizera uma palestra pelo chamado Círculo Cultural.
E perante a minha negativa deram-me a ler uma carta mandada pela tal pessoa grada em Setúbal para o então Governador Civil onde me denunciava por ter dito que as populações das nossas colónias tinham o direito â sua independência e que a guerra era um disparate!
Foi uma das pessoas que não sabia que a Pide tinha ouvidos por todo o lado – e nem sempre eram “farropilhas”!. E em Coimbra fui contemporâneo do José Afonso onde então ainda só cantava (e bem!) fado de Coimbra.
Aqui por Setúbal o vim encontrar fazendo da sua arte arma de contestação – em boa hora a nossa Câmara Municipal vai centrar as comemorações centradas na pessoa e na acção do Zeca cujos discos ouvia com amigos quase às escondidas – do Zeca, do Fanhais ou do Adriano!
É pois evidente que saudei a Liberdade com alegria e vivi o “1ª de Maio” nas ruas da cidade num intenso ambiente de fraternidade que não se tem mantido até aos nossos dias pois vivemos num mundo “ferozmente” competitivo e individualista, num mundo onde a dignidade do ser humano é tantas vexes esquecida, onde o poder do “deus cifrão” manda em tudo e … em quase todos!
Vivemos num mundo muito desarticulado pela pandemia e… agora pelas sequelas da agressão de Putin à democracia que leva todo o mundo ocidental às tão faladas sanções económicas que também fazem ricochete sobre todos nós. Esta guerra não é só a onda de solidariedade para com o povo ucraniano, todos temos de entrar “no combate” aceitando o tal ricochete das sanções!
E temos mesmo – os ucranianos merecem este nosso sacrifício! Mas temos todos de aproveitar este mundo em mudança sobre muitas das suas facetas para construir um mundo novo – e isso é uma missão da nossa juventude se quere ter mundo justo para viver…ou mesmo se quer ter mundo onde se possa viver…não esqueçamos as nossas “pegadas ecológicas”! É necessário pôr o “bem comum” em construção segura … mas não esqueçamos que não há “plano B”.
