O Zeca marcou o passado, não abandonou o presente e irá continuar no futuro. Porque o Zeca não quis fronteiras. O Zeca ajudou a derrubar muros. O Zeca juntou multidões. O Zeca perpetuou o canto no pensamento livre.
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos foi um professor também para mim e nunca o conheci pessoalmente.
As suas músicas, ouvia-as ainda clandestinamente. Mensagens, com mais ou menos metáforas, que faziam mexer o mais passivo e pensar o mais abúlico. Trauteá-las, até sem letra, era um risco que as próprias crianças mais inocentes corriam. Muitas sabiam-no.
Como no Centro de Férias Rogério Cardoso, em Sintra, onde (alguns) jovens monitores nos adormeciam ao som sussurrado de músicas como: «Dorme meu menino a estrela d’alva / já a procurei e não a vi». «Eles comem tudo, eles comem tudo, eles comem tudo / E não deixam nada». «Traz um amigo também». «Venham mais cinco».
Eu era pequeninita quando faleceu António Salazar. Lembro-me disso, ainda que a custo. Quando o Marcelo Caetano tomou posse, fui levemente notando que algumas pessoas iam, muito a medo, mostrando o que pareciam ser indignações e frustrações.
Os estudantes, como o Zeca, eram dos que se recusavam a calar o medo e a opressão. E as mais das vezes escolheram a primeira arte para ajudar à luta – a música.
De facto, se calhar não sou a pessoa mais indicada para falar do Zeca. Nunca falei com ele. Mas a verdade é que gosto de falar dele e do que ele representa.
Vendo melhor, todos os cidadãos, portugueses ou não, amantes da liberdade e da música são pessoas indicadas para falar do Zeca.
E de cantar/trautear as suas músicas.
Ou tão somente de ouvi-las cantar.
E se pudermos sentir em grupo esse gosto e esse gesto solidário para com a Causa dos nossos Zecas, tanto melhor.
Claro que sem cultos, nem idolatrias. Apenas apreciar o que há de melhor no legado de um cidadão interventivo e amigo como foi Zeca Afonso. E vivê-lo unidos em festa.