De tempos a tempos o país regressa ao debate sobre a natalidade. São apresentados os números da baixa natalidade versus os dados da cada vez maior esperança de vida e acenada a sombra do inverno demográfico. O atual governo, aliás, vê o aumento da natalidade como desígnio nacional, segundo o seu Programa de Governo.
Mas o discurso contrasta de forma muito óbvia com a prática.
Os problemas nas maternidades e nas urgências de obstetrícia não são novidade, é certo. Mas esperavam os portugueses que o Governo, que vendeu a ideia que tinha no bolso as soluções para os problemas do SNS, agravasse ainda mais estes problemas? Este verão foram 40% mais os serviços de urgência encerrados ou condicionados face a 2023.
E as grávidas do distrito de Setúbal e da margem sul têm sido especialmente afetadas.
Alguns exemplos: para além da constante intermitência e encerramentos, entre 9 e 13 de agosto todos os serviços de urgência obstetrícia e ginecologia do distrito de Setúbal estiveram encerrados. Durante o verão nasceram 41 bebés em ambulâncias, um número record nos últimos anos, vários deles da margem sul. Uma grávida de risco de Santiago do Cacém teve que percorrer mais de 250 km e 3 hospitais diferentes antes de conseguir ser atendida.
Enquanto isso, a Sra. Ministra da Saúde congratulava-se com a adesão à nova extensão da Linha SNS 24, a Linha SNS Grávida. Não é de espantar! Perante a constante situação de incerteza, stress e ansiedade que qualquer grávida deve enfrentar ao ver todos os dias as sucessivas notícias do encerramento de maternidades, é normal que tentem contactar esta linha.
E soluções?
O caminho que aparentemente o Governo quererá seguir é o de “concentração de serviços”. Ou seja, fechar definitivamente urgências e maternidades e obrigar as grávidas do distrito de Setúbal a “fazer piscinas” se necessário for. Ou seja, uma grávida do Barreiro poderá ter que se deslocar a Setúbal ou Almada em caso de urgência ou uma grávida de Setúbal ao Barreiro ou a Lisboa.
Certo é que não estamos a falar de serviços que não estejam a funcionar por falta de utentes: a margem sul e, de forma mais global, a região de Lisboa e Vale do Tejo são a zona mais densamente habitadas do nosso país, onde há utentes suficientes para manter em funcionamento todos estes serviços.
Este é um caminho errado. O encerramento de urgências de obstetrícia e maternidades na margem sul não serve os interesses de quem aqui vive.
Precisamos sim de fazer um caminho de valorização dos profissionais da saúde e de políticas laborais que tornem atrativo trabalhar no Serviço Nacional de Saúde. Inverter a tendência de transferência de mais de metade do Orçamento do Estado para a saúde para os privados e investir num serviço público, universal e tendencialmente gratuito como prevê a nossa Constituição. Há recursos para isso, mas as opções parecem ser outras.