Falta de alimento para as abelhas e atraso na produção de mel são queixas de quem depende da chuva para trabalhar
É uma vastidão de erva seca que rodeia o apiário de José Ganhão, nos arredores de Almada. Apicultor há 29 anos, apenas se lembra de um Inverno semelhante em 2005. “Este ano não espero lucro”, confessa.
“Mesmo que chova muito nos próximos meses não vai compensar porque, nesta fase, as plantas já deveriam estar a florir e as colmeias com muita entrada de néctar, o que não acontece”.
A atracção pelo mundo das abelhas vem de pequeno quando acompanhava o avô até aos apiários, na Sertã, e deliciava-se a ver as abelhas a regressar à colmeia com as patas repletas de pólen.
Hoje tem 190 colónias, distribuídas pelas regiões de Almada, Castelo Branco e Alentejo e orgulha-se de assumir que teve produções de mel premiadas. Mas este promete ser um ano diferente.
A seca tem vindo a ameaçar o sector nos últimos anos e a falta de chuva tem atrasado a floração e condicionado severamente o alimento das abelhas. Para evitar a morte das colmeias, José Ganhão vê-se obrigado a recorrer a alimentos artificiais feitos à base de açúcar e mel, decisão que lhe custa o investimento de cerca de 760 euros por semana.
“Estou apenas a ajudá-las a sobreviver porque a produção é quase nula. Quando sente a entrada de néctar, a rainha é capaz de pôr 1300 ovos por dia, mas, neste momento, põe cerca de 600 ovos. Tudo porque lhes forneço alimento, caso contrário, estava em risco de perder enxames”.
Afastando a ideia de conseguir lucrar com a produção de mel, o apicultor espera apenas recuperar o investimento que tem feito nos últimos meses. Além dos encargos com a alimentação e o aluguer dos terrenos, existem as deslocações até Serpa e Castelo Branco que têm de ser feitas regularmente.
Entre os 15 depósitos de combustível que gasta por mês, o que sobra é investido na manutenção das colmeias. Se, nas regiões do interior, o estado dos terrenos é equiparado ao “expectável no mês de Agosto”, a esperança de retorno financeiro está depositada nos apiários de Almada por beneficiarem de humidade oceânica.
Aqui, 32 colmeias estão destinadas à reprodução de abelhas-rainha e enxames e ainda ao fabrico do mel de funcho, premiado uma vez com o primeiro lugar na feira de mel sesimbrense, ZimbraMel.
“Nesta zona costumo fazer 200 quilos de mel por ano. Este ano, talvez consiga chegar aos 100 quilos, mas é tudo muito incerto. Se o tempo se mantiver assim, em Serpa, passo de uma produção de duas toneladas para 200 quilos e, mesmo assim, seria a roubar mel às abelhas”.
Reflexos na qualidade e preço do mel
Manter as colmeias vivas é para os apicultores o esforço de não deixar um ecossistema desaparecer, mas quem vive deste meio sabe que, a longo prazo, a alimentação artificial poderá condicionar a qualidade do mel produzido.
“Poderia continuar a alimentar as abelhas assim para sempre e elas transformavam o açúcar em algo parecido com mel, mas não seria o mesmo”, explica o apicultor almadense.
Este é um problema que o presidente da Associação de Apicultores da Península de Setúbal (APISET), Carlos Matos, garante já estar “à vista de qualquer pessoa” quando se desloca ao supermercado.
“As prateleiras estão ‘minadas’ de produtos que têm o rótulo de mel, mas é preciso entender que são substâncias fabricadas artificialmente, grande parte na China, que contêm uma percentagem mínima de mel caseiro, suficiente para ser validado nas análises polínicas. Estes produtores não têm os custos dos apicultores e, por isso, os preços praticados são mais aliciantes”.
Os efeitos de um ano severo para a apicultura recaem também na carteira de todos os que apreciam mel caseiro. “É duro dizer isto, mas este é um ano de perdas para o sector. É inevitável que o preço [do mel] aumente para tentar cobrir as despesas monstruosas que muitos de nós vamos tendo”, salienta o responsável pela APISET.
Cansado de tentar prever dias mais chuvosos, José Ganhão agradece por ainda conseguir fazer o que gosta. Não esconde sentir que o futuro não é risonho para o negócio e o seu último recurso será vender as colónias, mas, por enquanto, prefere afastar essa ideia.
Vespa asiática, uma epidemia que veio para ficar
As condições climatéricas têm sido duras para o sector apícola, mas é a propagação da Vespa Velutina, habitualmente conhecida como Vespa Asiática, que mais tem afligido quem vive da produção de mel no País.
Em Almada, depois de ter perdido 14 dos 17 enxames que estava a criar, José Ganhão tem-se dedicado a erradicar ninhos de Vespa Velutina que descobre na região, mas a rapidez com que o insecto constrói um novo habitat limita o trabalho do apicultor.
O presidente da APISET admite que, desde que a espécie invasora se instalou em Portugal, em 2011, são “incontáveis” os apicultores profissionais que desistiram da profissão, após sofrerem ataques nas suas colónias.
Ainda que reconheça os esforços em destruir os ninhos, levados a cabo pelas autarquias e órgãos de protecção do Distrito de Setúbal, Carlos Matos crê que o processo não está a ser feito com os meios e celeridade necessária.
“A eliminação de um ninho tem de ser feita durante a noite porque é quando a vespa se retira. E ter funcionários da Câmara disponíveis para subir a 40 metros de altura à 1 hora da manhã não é assim tão fácil”, assegura o responsável pela APISET.