Catita, assim se chama a seba em causa, aumentou de 19 para mais de 27 hectares. Resultado da melhoria da qualidade da água no estuário, acredita a Ocean Alive
A Pradaria da Catita, uma pradaria marinha no Estuário do Sado, em Setúbal, tem vindo a crescer e, nos últimos três anos, a extensão que ocupa, no centro do rio, entre a zona da Lisnave e a Carrasqueira, aumentou quase 50%, ocupando agora uma área equivalente a 28 campos de futebol.
A conclusão é da Ocean Alive, a organização não-governamental (ONG), liderada pela bióloga marinha Raquel Gaspar que há anos se dedica à causa da preservação das pradarias marinhas e dos sapais no sado.
“Não há dúvidas de que a pradaria cresceu. Podemos dizer que nos últimos três anos, em que nos empenhámos em medir da mesma forma, vê-se um crescimento de 19,28 hectares para 27,74. Em três anos, tem mais oito hectares”, afirma Raquel Gaspar.
Os números foram apresentados na sexta-feira numa visita para jornalistas que a ONG promoveu a esta pradaria, no meio do rio, juntamente com a Coca-Cola Europacif Partners (CCEP), a empresa proprietária da fábrica em Azeitão, quem tem apoiado a Ocean Alive na actividade de mapeamento da Pradaria da Catita nos últimos três anos.
De acordo com Raquel Gaspar, há um “reflorestar natural” desta zona do estuário, com o “aparecimento de novas pradarias” e o aumento de extensão das existentes que a bióloga atribui, sobretudo, à melhoria da qualidade da água.
“Nós somos uma ONG e não propriamente uma instituição científica e, portanto, há muitas questões às quais não vamos saber responder mas uma das coisas que sabemos é que há uma melhoria da qualidade da água neste estuário e a boa qualidade da água é o principal adubo para que as pradarias cresçam em abundância”, explica.
Segundo esta organização ambiental, o Estuário do Sado é um dos dez principais ecossistemas de carbono azul portugueses – estuários, baias e lagoas que têm pradarias e sapais – e, em termos de área de pradarias, é o terceiro estuário com mais área. Os dois principais são as rias Formosa e a de Aveiro.
A melhoria das condições ambientais no estuário está a permitir, também, o reaparecimento de algumas espécies que tinham desaparecido nos anos 50 e 60, nomeadamente de três que constituíam fonte de receita para a comunidade piscatória da altura; o búzio de bicos, o búzio cagão e o lagarto do mar. “Hoje elas estão cá, as três, e as pradarias estão a recuperar”, anuncia Raquel Gaspar, esclarecendo que as quantidades existentes destas três espécies ainda não têm relevância económica.
Sapais em declínio
Ao contrário das pradarias marinhas, que estão a crescer em Setúbal, o sapal nesta zona está em declínio há quase duas décadas. O sapal é a gramata, a vegetação que está na margem do estuário, enquanto a pradaria marinha é a vegetação rasteira do fundo do rio, embora esta tenha partes que ficam a seco na maré baixa.
“Entre 2006 e 2010, no nosso estuário houve um recuo médio de 17 centímetros por ano do sapal”, informa a Ocean Alive. A partir de 2010 não há estudos mas o declínio continua a olho nu. “Tu olhas para o sapal e vês o sapal a cair. Esta costa de Troia, toda, parece que está a ser erodida, está a cair”, diz a bióloga.
Uma das causas apontadas é a subida do nível médio da água no estuário, decorrente do crescente assoreamento do rio. “Preocupa-me verificar que, após as dragagens, a boca do Estuário do Sado está a ficar fechada [de areia que se vai sedimentando]. Este ano o poste número 5 está ligado, num baixio, à Ilha do Cambalhão.”, afirma Raquel Gaspar.
“As dragagens foram feitas no interior do estuário mas as areias foram depositadas lá fora, na Restinga, e o sudoeste, o vento sul e a tempestade, trazem-nas para cá. Não posso afirmar que a areia que está a fechar a boca do estuário resulta das dragagens mas posso dizer que após as dragagens se observou isso depois das tempestades sul. Ou seja, as tempestades sul estão a trazer a areia de volta para o estuário e está aa ser depositada ali na entrada.”, explica.
Os sapais e as pradarias são habitats-berçário, sítios onde os animais se reproduzem, no caso dos sapais, onde as aves marinhas se alimentam. De acordo com a bióloga, as florestas no mar também sofrem com incêndios. “Os incêndios no mar são o aumento da temperatura da água. A água muito quente queima as plantas e isto é um incendio.”, refere Raquel Gaspar, acrescentando que, no Estuário do Sado, esse risco decorre das alterações climáticas.
A Ocean Alive dedica-se à educação marinha, à mudança de comportamentos e ao restauro das pradarias e conseguiu, há poucos anos, que as pradarias marinhas fossem reconhecidas como sumidouros de carbono e integradas no roteiro para a neutralidade carbónica.
A organização integrou diversas mulheres da comunidade piscatória local como guardiãs do Sado, como Sandra Lázaro, de 54 anos, pescadora nascida e criada no Faralhão. Desde que entrou para a Ocean Alive, em 2017, é educadora marinha, monitora das pradarias e agente de sensibilização.
“Eu conheço as pradarias marinhas desde criança, para mim são sebas. Sabíamos que eram importantes, que são maternidades das espécies porque, ao largarmos a rede perto, era ali que estava o peixe. Tínhamos essa noção. Hoje temos noção de que elas não são só isso. São também capturadores de dióxido de carbono e agentes de filtração das águas. Nós tentamos sensibilizar, porque é difícil mudar mentalidades, mas é preciso insistir para as mudar. É preciso dar a conhecer estas questões às pessoas e a melhor maneira é traze-las ao terreno e mostrar, com números.”, defende Sandra Lázaro.
Como berçário de espécies, as sebas asseguram, entre outras coisas, a permanência da comunidade de golfinhos no Sado, que não existiria se não encontrassem aqui o alimento de que precisam. As pradarias dão, assim, também um contributo para a projecção e a atractividade turística de Setúbal, mantendo vivos e presentes os golfinhos que são já um símbolo do rio e da cidade.
Sustentabilidade: Coca-Cola Europacif Partners apoia Ocean Alive
A actividade da Ocean Alive no Estuário do Sado é apoiada, financeiramente, pela Coca-Cola Europacific Partners (CCEP), empresa detentora da fábrica Coca-Cola em Azeitão, onde é produzido 90% do volume de produtos desta marca vendidos em Portugal.
Segundo Manuel Bastos, Sustainability Manager da CCEP, as razões que levam a empresa a apoiar a missão na Pradaria da Catita, através do programa Mares Circulares, são a partilha dos valores ambientais e a proximidade. “A proximidade que a Ocean Alive tem à nossa comunidade de Setúbal, onde temos a nossa fábrica, é um dos factores”, refere. “Esta ONG tem um propósito que é muito importante para nós; desde o princípio que os nossos colaboradores viram a vantagem de apoiar esta actividade, que combate as alterações climáticas, dá notoriedade ao berço da biodiversidade. Isto é uma forma de mostrar o outro lado da biodiversidade e isso é fundamental para nós, por isso vamos continuar a trabalhar muitos anos com a Ocean Alive e convidamos todas as empresas que quiserem e puderem a apoiarem também a Ocean Alive neste percurso.”, diz Manuel Bastos.
Raquel Gaspar acrescenta que, com o apoio da CCEP, a organização tem conseguido mapear as pradarias, nos últimos três anos, e diz ainda que “apenas uma outra empresa apoia estes programas da Ocean Alive”; a Ascenza, que está este ano a apoiar o mapeamento da Pradaria da Carraca.
A viagem até à Pradaria da Catita foi feita de barco a bordo de um semi-rigido da Rotas do Sal, um dos operadores turísticos de Setúbal licenciados para a observação de golfinhos.