O vereador desistiu da queixa-crime. Em troca, a autarquia abandona dois processos contra o social-democrata e compromete-se com regulamento
Acabou, quase sem ter começado. O julgamento de Nuno Canta, presidente da Câmara do Montijo, e de duas funcionárias municipais, acusados de terem violado correspondência do vereador social-democrata João Afonso, terminou com um acordo entre as partes no início da primeira audiência, realizada esta manhã no tribunal montijense.
O autarca do PSD aceitou retirar a queixa-crime e em compensação a Câmara Municipal do Montijo desistiu de dois processos contra o social-democrata — um pelas filmagens realizadas por João Afonso no interior do Cemitério de São Sebastião; e outro pelas transmissões em directo que o vereador fez das suas próprias intervenções no decorrer de reuniões de câmara.
Além disso, no acordo ficou ainda estabelecido o comprometimento da autarquia em apresentar até ao final deste ano uma proposta de regulamento para dar novo tratamento à correspondência recebida e expedida, de forma a substituir as normas internas do município aprovadas em 2014.
O caso da alegada violação de correspondência remontava ao final de 2018, quando João Afonso apresentou uma participação ao Ministério Público a acusar o socialista Nuno Canta e os serviços da autarquia de terem aberto uma carta que, defendia o autarca do PSD, lhe era endereçada.
A 31 de Março de 2020, o Ministério Público (MP) mandou arquivar a queixa, mas o social-democrata interpôs recurso que a Procuradoria-Geral da República (PGR) acolheu, ordenando – cerca de seis meses depois, conforme noticiado então por O SETUBALENSE – o prosseguimento do inquérito, na sequência do qual foi deduzida acusação pelo MP ao presidente e a duas funcionárias da autarquia.
Os arguidos requereram a abertura de instrução, que poderia resultar em arquivamento ou em pronúncia para julgamento. E o juiz de instrução decidiu então manter a acusação e pronunciar os arguidos, com o julgamento a ser marcado para hoje.
De início, o caso chegou a motivar uma intervenção pública do então deputado parlamentar Nuno Magalhães, eleito pelo CDS-PP, partido que havia concorrido em coligação com o PSD no Montijo, e provocou discussões acaloradas entre as maiorias socialistas e os autarcas da oposição, na Câmara e na Assembleia Municipal. Nuno Canta defendeu sempre que a correspondência era institucional e não privada.
“A abertura da correspondência institucional, que verse sobre matérias que assumam foro institucional, como foi o caso do oficio da GNR dirigido à Câmara Municipal, cumpre as normas internas homologadas em 2011, 2012 e 2014, respeita as normas legais e o direito de oposição, e não contende com o direito à liberdade da acção política de quem quer que seja”, considerou, na altura, o autarca em comunicado emitido pelo seu gabinete de apoio.
“Tal como todas as cartas institucionais dirigidas ao presidente da Câmara, Nuno Canta, são abertas, também todas as cartas institucionais dirigidas a um senhor vereador, com pelouros ou sem pelouros, devem ter igual tratamento institucional, em respeito pelo princípio da legalidade”, adiantava o documento.
Entendimento diferente tinha o vereador do PSD que, em reunião pública do executivo, não poupou críticas ao socialista.
“Aquilo que aconteceu ultimamente nesta autarquia, no que diz respeito à correspondência recebida e expedida pelos vereadores da oposição, em que a mesma, por ordem do senhor presidente Nuno Canta, é aberta, constitui uma atitude ignóbil e um verdadeiro atentado ao Estado de Direito democrático, como é aliás previsto na lei, particularmente no Código Penal”, disse então João Afonso, que contou com a anuência de Carlos Jorge de Almeida, vereador da CDU à época.
Já Nuno Canta considerou-se alvo de perseguição política. “Estamos perante uma estratégia arquitectada pela oposição para arrastar o nome do presidente da Câmara para a lama”, afirmou, relativamente ao comportamento da oposição no processo.
O litígio chegou agora ao fim com o acordo entre as partes.