Joana Mortágua volta a candidatar-se pelo Bloco de Esquerda para dar continuidade às propostas que apresentou e que diz terem feito a diferença
Novas políticas de habitação e de transportes estão à cabeça das propostas que o Bloco de Esquerda quer que sejam condutoras da gestão da Câmara de Almada no próximo mandato. São questões que Joana Mortágua traduz na frase “Uma Casa, Uma Causa”, um contexto que recusa um concelho a duas velocidades em que uns têm qualidade de vida e outros nem por isso. Para o BE, o actual executivo PS/PSD fala de mega projectos, mas está a passar ao lado de um projecto para o concelho.
Que leitura faz da decisão do Bloco de Esquerda em a recandidatar à presidência da Câmara de Almada?
Fico orgulhosa. Estes quatro anos de vereação foram um desafio muito grande. Nunca tinha sido vereadora, e ser vereadora na oposição não é fácil; mas foi um desafio que nos permitiu perceber a diferença que podemos fazer e como se constroem as melhores propostas. Permitiu perceber como conseguimos comprometer o executivo com algumas matérias, ou como demarcamos águas e em que matérias não vamos chegar a acordo. Há um sentimento de trabalho inacabado, por isso queremos continuar, o céu é o limite.
Aceitou de imediato?
Aceitei de imediato.
Que linha de propostas vai apresentar à população de Almada nesta campanha eleitoral?
Estamos a construir um programa. Não antecipamos, não damos saltos maiores que a perna. Temos propostas que são de continuidade, no nosso projecto há coerência. A habitação, por exemplo, é uma área em que temos propostas que são isso mesmo, propostas de coerência e continuidade. É necessário garantir que os novos investimentos que se fazem em Almada têm sempre contrapartidas para o município, independentemente do seu valor único, depois cada força política vota o projecto conforme ele tenha valor ou não, mas propostas de investimento imobiliário em Almada têm sempre de ter contrapartidas, como habitação a custos controlados.
Não podemos deixar que se ergam aqui bairros que são inatingíveis para a população de Almada, do ponto de vista dos seus rendimentos. Bairros inteiros, habitações ou condomínios às quais a população de Almada não consegue aceder porque nunca vai conseguir pagar lá uma casa, isso não pode acontecer. Portanto, os privados que fazem esse tipo de investimentos também têm de construir habitação a custos controlados.
Refere-se a reforçar uma política de habitação social?
É preciso continuar a apostar numa política de habitação social e, para isso, têm de existir parcerias entre a Câmara Municipal e o IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana]. Sabemos que o Governo já anunciou um projecto para Almada; o “Almada Poente”, que já existe há muito, sabemos que parte dele ainda depende de um projecto de urbanização que não está pronto e vai demorar ainda muitos anos, estamos a atentar perceber quantos.
Além dessas respostas e da habitação que é preciso construir – e vai ser preciso construir habitação para resolver os problemas em Almada -, é necessário olhar para o mercado de arrendamento e perceber porque é que o preço das casas está a subir e, portanto, tentar ao máximo fazer programas que ajudem as pessoas a alcançarem o mercado de arrendamento; é o caso dos jovens que querem sair da casa dos pais, mas têm empregos precários. É por isso que propomos um programa de arrendamento acessível e um programa de arrendamento jovem.
“Uma Casa, Uma Causa” este vai ser o slogan de campanha em Almada?
Não sei se será o único, mas será um dos nossos slogans. Quando nós dizemos “Uma Casa, Uma Causa” estamos a dizer que tudo começa no direito à habitação. E este significa não só o direito a uma casa, mas uma casa que tenha perto creches, escolas, centros de saúde, acesso a serviços e espaços de lazer, acesso à cultura. O concelho não pode estar dividido entre quem tem e quem não tem qualidade de vida consoante sítio onde mora.
Estou a lembrar-me do Bairro do Matadouro e das muitas queixas de quem ali vive por causa do mau-cheiro, ou das queixas das pessoas afectadas pelo ruído do Metro Sul do Tejo, ou ainda de casos como a Charneca da Caparica onde não há vagas em creches, ou falta de vagas no primeiro ciclo; tudo isto afecta a qualidade de vida das pessoas.
Estas são matérias relacionadas com a habitação, e implicam políticas de transportes, de urbanismo, implicam espaços verdes, ou seja: implica pensar o concelho como um todo. Nós temos propostas.
Com que objectivo defendeu que a Câmara de Almada aplicasse uma taxa turística?
A proposta da taxa turística foi rejeitada pelo executivo. Não se pode querer apostar no turismo sabendo que isso tem consequências, sabendo que muitas casas vão ser desviadas do arrendamento para os Airbnb [alojamento local], ou que muito espaço privilegiado do concelho vai ser transformado para usufruto turístico, e depois não querer que a autarquia tenha o contributo de uma taxa turística; aliás, é uma coisa que muitos municípios fazem.
Essa nossa proposta foi rejeitada em nome de um estudo que ia ser feito, mas nunca foi. A única estratégia de turismo que existe e é conhecida, pelo menos publicada, é uma estratégia que está completamente desactualizada.
Pelo que diz, propõe duas linhas de força em políticas para o concelho: habitação e transportes.
Nesta fase lançamos um conjunto de propostas sobre habitação e sobre transportes: os passes gratuitos para desempregados, o programa de arrendamento acessível, o arrendamento acessível jovem e a taxa turística. São quatro propostas iniciais para dar origem a este slogan “Uma Casa, Uma Causa”. Mas vamos também apresentar propostas para outras áreas como na cultura, no ambiente, nos direitos dos animais, nos direitos sociais; para estas e outras vamos construir um programa com novas propostas que cumpram a herança do Bloco de Esquerda.
E para o sector da saúde, já tem propostas pensadas?
Em Almada os cuidados de saúde primários continuam a ser muito deficitários. O Bloco de Esquerda tem intervenções no parlamento sobre isso. Há pouco tempo aprovámos a construção do Centro de Saúde do Feijó. E há o eterno problema, que não é eterno, mas assim ameaça ser, que é o Centro de Saúde da Trafaria que vai tendo outras utilizações, mas não é devolvido à população como centro de saúde.
Isto levanta a questão das uniões de freguesias; uma organização [territorial] que veio forçar a concentração de serviços públicos e prejudicar a resposta alargada nas próprias freguesias, é o caso da Trafaria, Feijó, Charneca da Caparica e outras. Portanto, é preciso pensar as uniões de freguesias, e isso é algo que a população tem de determinar onde quer rever essas uniões.
Que análise faz do actual mandato liderado pela socialista Inês de Medeiros na gestão do município partilhada com o PSD?
Não ficou provado, de maneira nenhuma, que o actual executivo PS/PSD tem um projecto para Almada. Houve uma esperança de mudança, esse sinal foi dado pela população de Almada nas últimas eleições. As pessoas queriam uma mudança, mas quatro anos depois os problemas estruturais naquilo que depende da Câmara não foram alterados. É verdade que houve alterações no País, ou seja, há uma lei de bases da habitação, pela qual o Bloco lutou muito no Parlamento, que tem novos instrumentos, e mau seria se a Câmara não recorresse a eles.
No caso dos transportes, houve uma directiva europeia que impôs que fossem renovados e alterados todos os contratos de concessão que existiam antes. Foi por essa directiva que o contrato com os TST [Transportes Sul do Tejo] foi abaixo. Portanto, a Área Metropolitana de Lisboa assumiu a responsabilidade de investir na Carris Metropolitana. Nós ainda não conhecemos esse projecto para Almada, a definição das novas linhas, das carreiras e o sítio por onde passam foi feito à margem das pessoas e à margem das próprias forças políticas. Isso foi um trabalho que a Câmara fez sozinha.
Não vê ideias inovadoras da parte do executivo PS/PSD?
O que nós vemos são anúncios de mega projectos que ninguém sabe muito bem como é que se vão realizar. Este executivo põe entidades privadas ou entidades externas a apresentar projectos de urbanismo que são da Câmara, e isso dá a sensação de estar a entregar bocados do território a outras entidades para que a Câmara não tenha que investir aquilo que é necessário. O que o concelho precisa é de investimento em políticas de proximidade.
É preciso acabar com os mega projectos e ter coisas que, de facto, melhoram a vida das pessoas no seu dia-a-dia, como espaços verdes, mais serviços públicos, transportes de proximidade, acesso à cultura e apoio ao associativismo. Tem de se prevenir que com esta pandemia o movimento associativo e cultural não morre, e o mesmo para que o comércio local não vá à falência depois do largo período em que esteve encerrado.
O Bloco de Esquerda, na altura em que a crise foi mais grave, propôs que a Câmara de Almada financiasse as refeições à imensa população que deixou de ter capacidade para comprar a sua própria alimentação, e que isso fosse feito por via dos restaurantes locais, era uma forma de financiar os restaurantes, mas essa proposta não foi aceite.
Como vê a candidatura da comunista Maria das Dores Meira, actual presidente da Câmara de Setúbal, à Câmara de Almada?
Ainda não vejo nada. Nós reagimos a propostas. A primeira proposta que lhe ouvi foi a de enterramento da linha do Metro Sul do Tejo. Uma proposta que, para nós, é incompreensível. Até podemos estar a ser injustos e haver uma explicação que nós não compreendemos, mas ela não foi dada, portanto a população de Almada não a conhece. O que tem de ser reivindicado é a expansão do metro até à Costa de Caparica. Estamos sempre a discutir a quantidade dos parques de estacionamento, ou se a estrada suporta mais ou menos trânsito, tudo isto quando o metro e o Transpraia são essenciais para resolver este problema. Revitalizar o comboio Transpraia era uma promessa deste executivo, mas não a conseguiu cumprir. O Transpraia é uma solução obvia para servir as praias até à Fonte da Telha, por isso a Câmara tem de encontrar uma forma para o implementar.
Por outro lado, o metro até à Costa de Caparica é essencial, assim como o são as ciclovias para quem vem de barco até à Trafaria ou Porto Brandão. Parece-me que nada foi feito nessa matéria, e continuamos a depender dos TST para chegar à Costa de Caparica e a depender do carro para ir à praia.
Reabilitar parques de campismo, fazer rotundas, alterar sentidos de trânsito, garantir a segurança rodoviária, manter as ruas iluminadas, recolher o lixo, manter as ruas limpas, fazer obras nas suas escolas ou outro tipo de obras, tudo isso, e muito mais, faz parte da gestão quotidiana de uma câmara, mas o que é preciso é projectar território. Obras isoladas podem ou não ter valor, mas isso não faz um projecto para o concelho.
Que comentário lhe merece o surgir de uma ‘nova’ AD – Almada Desenvolvida (PSD/CDS/Aliança/MPT/PPM) a apresentar-se às eleições no concelho?
Fiquei preocupada. Eu vi a apresentação desta nova AD e o vereador Nuno Matias [social-democrata que encabeça a lista] a dizer que o grande objectivo é tirar a esquerda do poder e, portanto, que o grande objectivo é acabar com o poder que está actualmente em vigor em Almada.
Fiquei preocupada e até me pergunto se os almadenses vão confiar na estabilidade do actual mandato até ao fim. O vereador do PSD, que há quatro anos integra o actual executivo com o PS sem divergências de fundo – pelo menos que se conheçam -, vem agora denunciar que vai acabar com o poder do qual fez parte em Almada, ouvindo isto, qualquer um poderá desconfiar que teremos um problema de estabilidade governativa até ao final do mandato.
Caso o Bloco de Esquerda não seja a força política mais votada nas Autárquicas 2021, considera a hipótese de participar num acordo pós-eleitoral para a governança do município?
Candidatamo-nos para ganhar, isso é evidente, e nunca fugimos às soluções que vão ao encontro do nosso projecto e das causas pelas quais lutamos para melhorar a vida das pessoas. Mostrámos isso ao longo deste mandato. Nunca fugimos a um debate e também aprovámos algumas propostas vindas do PSD, da CDU ou do PS. Sempre tivemos disponíveis para negociar, para encontrar soluções conjuntas.
Nunca nos furtámos a nenhum debate, nenhuma discussão, ou à possibilidade de estabelecer acordos, e assim continuará a ser. Não vou é antecipar cenários que não conheço.
Bloco de Esquerda apresenta cabeças-de-lista
Com Joana Mortágua a concorrer à presidência da Câmara de Almada, o Bloco de Esquerda apresenta à Assembleia Municipal José António Rocha que, na apresentação pública da sua candidatura, defendeu um concelho com “melhores políticas públicas e estratégia para a habitação e emprego”.
“Os problemas essenciais que vinham da governação da CDU no concelho de Almada não foram resolvidos pelo actual executivo PS/PSD”, disse.
A apresentação dos cabeças-de-lista do BE, no passado domingo, contou com a presença de Catarina Martins, líder do partido, que elegeu as políticas de habitação e transportes como principais questões tanto a ter em conta pelo Governo como no próximo mandato autárquico.
Outra matéria que Catarina Martins considera que tem de estar nas preocupações das autarquias é o sector da saúde, nomeadamente em matéria da vacinação contra a covid-19. Pela proximidade com as populações “o Poder Local pode detectar que ninguém fica para trás na vacinação. Identificar problemas e fazer com que as respostas cheguem com rapidez”.
Nas listas às freguesias, o BE concorre com Luís Filie Pereira à presidência da União de Freguesia de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, Jorge Pinto à União da Charneca/Sobreda, Fausto Pires concorre à União de Freguesias Caparica/Trafaria, Joana Sales à Junta de Freguesia da Costa da Caparica e Kárim Quintino à União de Freguesias do Laranjeiro/Feijó.