A mais recente tragédia ocorreu esta sexta-feira, depois de uma grávida ter sido encaminhada de Setúbal para Cascais. Antes já se verificara outro caso
Em menos de 15 dias, duas grávidas perderam os respectivos bebés, depois de terem sido reencaminhadas para serviços de urgência de obstetrícia fora da margem sul, em face do funcionamento condicionado (e da sobrelotação) destas valências nos hospitais de Setúbal, Barreiro e Almada. E Frederico Rosa, presidente da Câmara Municipal do Barreiro, disse a O SETUBALENSE que vai “solicitar uma reunião, com carácter de urgência, à ministra da Saúde”, Ana Paula Martins.
“Todos os anos por esta altura, estamos a discutir as questões de obstetrícia e continua-se a apontar para a concentração dos serviços de urgências num só local. Ora, enquanto não forem tomadas medidas de fundo, que possibilitem contratar e reter profissionais no Serviço Nacional de Saúde [SNS], os problemas vão continuar a agravar-se, de ano para ano, até porque nestes territórios continuamos a assistir a um contínuo crescimento populacional”, disse o autarca. “Precisamos mesmo de medidas de fundo, que passam pela valorização de carreiras e pela capacidade de atracção de profissionais para o SNS, mas tardam em aparecer”, reforçou.
O mais recente caso ocorreu na última sexta-feira. Segundo noticiou a RTP, uma grávida, de 31 semanas, terá ligado para a linha de Saúde 24, sem sucesso, e acabou por ligar para o 112, sendo accionados os Bombeiros do Barreiro. Acabou por ser transportada para Cascais, porque as urgências do Hospital S. Bernardo, em Setúbal, que deveriam estar abertas, encerraram por sobrelotação.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) considerou inaceitável que a grávida tivesse sido encaminhada para um hospital a mais de uma hora de distância e responsabiliza a tutela. “Este caso não é um acidente, isto é uma consequência directa das políticas que estão a ser aplicadas por este Ministério da Saúde, de Ana Paula Martins, e, por isso, nós responsabilizamo-lo directamente por esta tragédia”, disse Joana Bordalo e Sá, presidente da FNAM.
“Exigimos que haja uma mudança imediata na política de saúde, uma mudança que devolva dignidade, segurança e humanidade ao SNS, porque o que aconteceu é intolerável e nós não podemos, em consciência, permitir que isto se repita”, afirmou.
Ordem dos Médicos diz que região vive situação ‘inconcebível’
Quem também já reagiu foi o bastonário da Ordem dos Médicos, que classificou este como “mais um caso trágico” que reflecte “uma grande desorganização” no SNS. “É mais um caso trágico que espelha uma grande desorganização de todo o sistema”, assumiu o bastonário Carlos Cortes.
De acordo com o responsável “é absolutamente necessário tentar perceber o que aconteceu”. “Apurarmos os factos, em primeiro lugar, para podermos atribuir as responsabilidades e, sobretudo, desenvolver todos os mecanismos para isto não voltar a acontecer, não obstante já ter acontecido um caso, também com contornos de gravidade, na semana anterior”, adiantou, antes de considerar “inconcebível” que os serviços de obstetrícia dos três hospitais da margem sul de Lisboa – uma área que tem tido “uma enorme dificuldade na resposta na área da maternidade” – estejam fechados em simultâneo.
“Isso não pode acontecer. E quem tem de ter essa responsabilidade não são os próprios hospitais, que se devem coordenar entre si, mas sim uma entidade que está acima dos hospitais e que foi criada precisamente para fazer essa coordenação, a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde”, defendeu.
Já o Ministério da Saúde veio negar que tivesse sido recusada assistência à grávida, assegurando que a utente foi acompanhada por um médico do INEM durante o trajecto entre o Barreiro e o Hospital de Cascais.
“Em todos os momentos foi garantido o acesso aos cuidados de saúde, concluindo-se que a resposta prestada à utente, quer pela Linha SNS Grávida, quer pelo INEM, foi congruente com os protocolos de referenciação e de acesso em vigor”, assegurou o ministério, em comunicado.“Não corresponde à verdade, como tem sido noticiado, que tenha sido recusada a assistência à grávida, por motivo de encerramento dos serviços de urgências de obstetrícia da península de Setúbal”, sublinhou no mesmo comunicado.
Primeiro caso trágico
Antes, já tinha sido denunciado outro caso, que, segundo noticiou o Correio da Manhã, começou no dia 10 de Junho e que culminou em tragédia volvidos 13 dias. Primeiro, a grávida, de 37 anos, foi encaminhada pelo SNS24 para a urgência de obstetrícia do Hospital de Setúbal, onde terão garantido que o bebé se encontrava bem. Seis dias depois, voltou a sentir dores e foi atendida no Hospital do Barreiro, onde terá recebido indicação para ir para casa.
Voltou a sentir-se mal três dias depois e deslocou-se ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde não foi detectado qualquer problema. Passadas 48 horas, a Linha SNS 24 terá encaminhado a mulher para o Hospital de Cascais, onde lhe terá sido dito não haver vaga para internamento.
Recusando regressar a casa, a mulher foi transportada de ambulância para a ULS Santa Maria, onde foi feita uma cesariana de emergência. A recém-nascida nasceu com 4,5 quilogramas, com batimentos cardíacos fracos e sinais de sofrimento fetal. A bebé, apesar das manobras de reanimação, não resistiu.
Neste caso, a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde garantiu que a grávida, de 41 semanas, “terá sido avaliada de forma atempada”. E a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde veio dizer que acompanhava a avaliação dos cinco hospitais envolvidos na assistência prestada à utente. Com Lusa
Barreiro Comissão de utentes exige maternidades abertas
A Comissão de Utentes dos Serviços Públicos do Barreiro já veio manifestar repúdio e preocupação pelos acontecimentos, que culminaram com a perda de vidas de bebés, por “falta de assistência atempada às grávidas”. “Há muito que exigimos que as maternidades e serviços essenciais devem estar abertos permanentemente, sem rotatividade entre concelhos”, lembram os utentes, ao mesmo tempo que questionam: “Até onde iremos para reverter a situação actual? Até quando as grávidas e parturientes terão de se deslocar quilómetros e quilómetros até encontrarem serviços abertos para as atenderem e tratarem?”
“Esta não é a solução que serve as grávidas e as suas famílias. O SNS necessita de mais médicos, mais meios, mais investimento”, adianta a comissão de utentes do Barreiro, que, a finalizar, sublinha: “O Hospital do Barreiro tem de estar aberto o tempo inteiro”.