Com o novo Estado de Emergência muito poucos saíram à rua. E existe alguma calma, até quando dois carros chocam
A manhã deste sábado, dia de responsabilidade colectiva, acordou rabugenta e mal composta. Uma poalha húmida, que volta e meia engrossava para se transmutar em fios de chuva, cobria tudo, gentes e coisas, adensando-se por sobre a Baía, que, como todos sabem, é uma princesa entre as princesas das baías que por aí andam.
Era o dia antes das eleições presidenciais, o dia que é imposto ser para reflectirmos na orientação do nosso voto. E além de reflectirmos, temos de manter o confinamento, tempo de doloroso sacrifício para uns, tempo de pôr em ordem os pensamentos ou os pequenos nadas que marcaram épocas da vida e andam indisciplinados por nossas casas. Talvez seja por isso que os que saem à rua, poucos e por razões imperiosas, exteriorizem um misto de apreensão e de responsabilidade.
O vento, puxando forte do lado do mar, húmido e insistente, nada ajuda às fisionomias, mesmo quando ainda não marcadas pelos anos e as agruras que os acompanham, dos que teimam numa pitada de ar livre. Não se ouve uma conversa em voz alta, não se ouve o desatamento de uma risada. Num parque de estacionamento de uma grande superfície comercial, um carro preto, numa manobra a reduzida velocidade, “beijou” de leve um carro vermelho, ou teria sido o contrário. Bolas, lá iremos ter o teatro do costume, com acusações, insinuações, ameaças, impropérios… Nada disso. Um senhor idoso saiu da viatura, observou os ligeiros estragos no guarda-lamas, olhou para a balzaquiana, a dona do outro andante, e disse, simplesmente: “Desculpe a senhora, porventura, a culpa foi minha”. Ao que ela respondeu: “Que importa? Isto é fácil de resolver”. Ah! se os tempos pandémicos trouxessem apenas a compreensão das coisas, o saneamento do sistema nervoso, a valorização do próximo!
Pouca gente se vê na rua, quase só a que anda às compras. Os bancos dos jardins estão defendidos com fitas plásticas para que neles ninguém se sente, os aparelhos destinados ao exercício físico, implantados em torno da Baía do Seixal, estão imobilizados, baias impedem o acesso às marginais do Seixal, Arrentela e Amora. Os cafés, contudo, estão abertos com mesas atravessadas nas portas para figurarem o mal designado postigo, mas não servem cafés. À tarde o tempo afeou. O vento fortaleceu e pôs-se a ensaiar diabruras nas copas das árvores e no espelho aquático da baía.
A cidade parece desabitada. No trajecto que vai do depósito de água da Torre da Marinha até ao Fórum do Seixal, não se contava mais do que uma dezena de pessoas. Quanto ao Parque Urbano do Seixal, de onde se abre uma soberba panorâmica da capital. Estava fechado, como é evidente. Nem um carro da polícia, nem um agente patrulhando a pé. Sizaltina Alves, de Amora, que deambulava pelo passeio junto à Timbre Seixalense, dizia que tivera de vir apanhar ar.
“Não que esteja desesperada, mas não consigo passar dias e dias a olhar para as paredes de casa. Ao menos, aqui, sente-se a vida”, salientou. Segundo fonte segura, os casos de violação das regras sanitárias, no concelho, são residuais. “Em um ou dois casos, as forças da ordem assumiram uma posição pedagógica, mais consonante com o que se pretende do comportamento dos cidadãos”.