Os Amadores do Montijo voltaram a ter sede. Estão instalados na Monumental Amadeu Augusto dos Santos. António Sécio abriu as portas do espaço a O SETUBALENSE
As fotos, os cartazes e as notícias de publicações antigas “entrecortam” o branco das paredes com história de bravura e valentia. Logo à entrada, do lado esquerdo, um manequim trajado a rigor diz quase tudo. As cabeças de dois toiros dão imponência ao espaço – apesar de uma delas ser de terrível memória – e ajudam a decifrar o resto de imediato. Estamos nas novas instalações da Casa do Forcado dos Amadores do Montijo, que foram inauguradas no passado dia 29, no interior da Praça de Toiros, propriedade da Santa Casa da Misericórdia.
O Grupo de Forcados Amadores do Montijo voltou assim a ter sede, depois de se ter visto obrigado a abandonar o n.º 49 da Almirante Cândido dos Reis (a conhecida rua direita, no centro da cidade), onde sempre tinha residido. Agora, esta parte da identidade e memória coletiva montijense habita num espaço, que abrange rés do chão e 1.º piso, da Monumental Amadeu Augusto dos Santos.
Quando se entra no piso térreo, que funciona como local de convívio, o primeiro olhar recai no manequim que enverga o traje dos Forcados Amadores do Montijo. “A jaqueta foi uma das primeiras que o grupo usou”, diz António Sécio, 83 anos, que dedicou quase toda uma vida ao grupo e à criação da Casa do Forcado. “Aqui está a placa da antiga sede inaugurada pelo presidente da Câmara, Francisco António Faria, em 1970, pelas Festas de São Pedro”, aponta para a parede onde a pedra está afixada, a pouca distância de um painel retangular com as fotos dos cabos que lideraram o grupo ao longo dos anos: Jacinto Carvalheira, António Sécio, João Pina, Fernando Fernandes, Rogério Amaro, Silvino Bento, Jorge Beatriz, Rafael Figueiredo, Ricardo Barroso, José Luís Figueiredo, Marco Nicolau, David Santiago, Ricardo Figueiredo e José Pedro Suissas (atual cabo).
Distribuídas pelas paredes, em grande número, estão fotos antigas de pegas, toureiros a cavalo, também da terra, e cartazes de corridas em que os Amadores do Montijo participaram “com cada um dos seus cabos”, assinala António Sécio, sem deixar de lembrar que “o grupo começou a atuar em 1964”, apesar de só ter sido “oficialmente formalizado no ano seguinte”.
As cabeças de dois toiros, ali expostas, impressionam. Uma delas reveste-se de enorme simbolismo para o grupo, já que traduz um momento fatídico. “É a cabeça do toiro que colheu mortalmente o forcado António Gouveia, em Angra do Heroísmo.” A outra tem pergaminhos na história da festa brava em Portugal. “É a cabeça do toiro que Armando Soares matou, o que o levou a ser detido, porque na altura era (e ainda é) proibido matar toiros no nosso país”, conta.
E dos recortes de notícias que decoram o espaço há um que se destaca. “Este que noticia a atribuição do Prémio de Melhor Grupo de Forcados da temporada de 1970, era eu o cabo do grupo”, observa.
Museu com prémios
O 1.º piso funciona como museu. Ali estão patentes painéis com a história dos Amadores do Montijo. E mais fotos, cartazes e recortes de publicações. Notícias e imagens dos cavaleiros José Lupi, Luís Rouxinol, Vítor Gonçalves, Gilberto Filipe, Florival Bronze e Luís Rouxinol Jr. estão patentes no espaço expositivo, que conta também com os vários prémios alcançados pelo grupo de forcados.
“Para mim os dois mais importantes são o Prémio de Melhor Grupo atribuído pela Casa da Imprensa, em 1970, e a Barca Aldegalega, entregue ao grupo pela Junta de Freguesia do Montijo em 2001. Estão aqui em cima desta mesa antiga, que vem desde o nascimento da nossa Casa do Forcado”, frisa.
Não faltam também peças decorativas. O emblema do grupo talhado em madeira salta desde logo à vista, quer pela dimensão quer pela qualidade do trabalho artístico.
Momentos históricos da tauromaquia cobrem as paredes do espaço. E António Sécio aponta para o recorte de jornal que noticia mais um episódio trágico. “A morte do cavaleiro Quim-Zé Correia em 1966, no Campo Pequeno, por um toiro que foi pegado por mim. Chamava-se Carvoeiro e era de Rio Frio”, recorda o antigo forcado, que capitaneou o grupo entre 1967 e 1973.
Os cartazes promocionais de corridas de toiros, nas mais diversas praças do País, abundam. Porém, são os dos espetáculos mais antigos que podem despertar maior curiosidade. “Os mais antigos datam de 1895 e inícios de 1900. Estão aqui outros de 1918, 1921, 1925 e 1927”, enumera, ao indicar os exemplares impressos e devidamente emoldurados, que vieram da sua coleção pessoal. “Aqui está outro a anunciar uma corrida com 10 toiros”, adianta António Sécio, para dar nota da promoção de um espetáculo invulgar. Tudo cuidadosamente selecionado, tratado e exposto, na nova Casa do Forcado dos Amadores do Montijo, de forma a perpetuar o património histórico do grupo.
António Sécio Quase uma vida inteira dedicada aos Amadores do Montijo
António Sécio dedicou grande parte da sua vida aos Forcados Amadores do Montijo e o seu nome é indissociável da Casa do Forcado, sede do grupo. “Estou ligado ao grupo desde 1965, primeiro como forcado, depois como cabo e ao longo de todos os anos como elemento de acompanhamento do grupo”, recorda.
A inauguração das novas instalações que servem de sede ao grupo na Monumental Amadeu Augusto dos Santos deixa-o orgulhoso. Até porque, está ligado à criação da Casa do Forcado. “Agora, foi um privilégio voltar a decorar o espaço, nestas novas instalações, com o espólio do grupo mas também com o meu, com peças que muita gente me foi oferecendo. Sinto sempre emoção e espero que as gerações futuras consigam dar continuidade ao grupo. Acima de tudo, este é um grupo de amigos”, afirma. Para já, está na forja mais uma forma de dar a conhecer e manter viva a chama dos Amadores do Montijo. “Estamos a pensar em vir a ter dias estipulados para recebermos visitas, abertas a todos”, revela, a finalizar.