Nem tudo são rosas com o reconhecimento do cante como Património Imaterial da Humanidade
“Abalei do Alentejo para no Seixal Trabalhar” dá título ao livro de Ana Machado, onde a autora faz um levantamento etnográfico sobre o Grupo Coral Alentejano da Associação dos Serviços Sociais dos Trabalhadores das Autarquias do Seixal (ASSTAS). A obra foi lançada na tarde do passado sábado, no Auditório dos Serviços Centrais da Câmara Municipal do Seixal.
Os temas que Ana Machado aborda, neste seu trabalho de investigação, são muitos e variados, bastando passar os olhos pelo respectivo índice para nos certificarmos da riqueza da obra: o cante entre o passado e o presente, as origens do Grupo Coral Alentejano da ASSTAS, o traje, as modas, os ensais, a recordação de que o grupo já foi misto, a tentativa da construção de uma identidade, o cante espontâneo ou o significado do cante para os cantadores.
Tiveram de abalar para outras terras
Editado pela Câmara do Seixal, “Abalei do Alentejo para no Seixal Trabalhar” tem prefácio do presidente da autarquia, Joaquim Santos, onde frisa que “no Alentejo a vida era dura e penosa, com uma agricultura marcada por períodos ciclos de crise, em que as condições climáticas desfavoráveis faziam aumentar a secura dos campos, sem um plano de regadio adequado, sobrecarregada com a sobreprodução do trigo que esgotava os solos”.
Escreve ainda o autarca que esta situação “favoreceu durante anos o endividamento dos pequenos produtores e o enriquecimento dos grandes latifundiários, levando ao aumento do desemprego, que se estendia muitas vezes durante o ano inteiro, e ao deflagrar do clima de intensificação e da tensão social entre os latifundiários e os assalariados, que possuíam cada vez menos condições de trabalho e de sobrevivência económica”.
Por tudo isto, “durante décadas, a única solução do alentejano foi a de partir da sua terra de origem em busca de uma vida melhor”.
O lançamento do livro envolveu um período de debate aberto, onde a autora reconheceu que o “cante enfrenta sérias dificuldades”, causadas, entre outras coisas, “pela pandemia e o não surgimento de novos cantadores”. Seja como for, prosseguiu, o “Alentejo está habituado a enfrentar grandes desafios”, dando “ao mundo só o que nós entoamos e sentimos”.
O vereador Manuel Pires, em representação da autarquia, afirmou que o “futuro do cante é uma preocupação de todos” e que talvez não fosse mal pensado levar o cante à escola e à família.
Há cante fora de Portugal
Esta ideia enquadra-se na de João Matias, coordenador da Casa do Cante, sita em Serpa, para quem a “Revolução de Abril abriu as portas à expansão do cante”. Disse, ainda, que acredita na “resiliência do cante, porque é tão profundo que nada o poderá extinguir”.
Para João Matias, “o cante não é só do Alentejo, mas sim de quem o entoe, seja onde for”. E deu exemplos da existência de grupos corais alentejanos no Canadá, na Suíça e na capital da França, aqui composto por alentejanos, mas também por cantadores de outras nacionalidades, como franceses e até russos.
Lembrou quinda que há escolas do ensino básico no concelho de Serpa em que o cante é disciplina obrigatória e sujeita a avaliação e debruçou-se sobre as vantagens e dificuldades levantadas pelo reconhecimento, pelas Nações Unidas, do cante como património imaterial da humanidade.
A sessão findou com a actuação do Grupo Coral Alentejano da ASSTAS, enquanto Ana Machado se disponibilizou para autografar exemplares do livro que ali fora publicamente apresentado.