Superlinox: “Acredito que a arte deve ser feita para as pessoas”

Superlinox: “Acredito que a arte deve ser feita para as pessoas”

Superlinox: “Acredito que a arte deve ser feita para as pessoas”

De figuras humanas a uma torradeira, o artista coloca esculturas em sítios inusitados e todos os elementos se destacam pelas cores fortes

 

A um nome que surgiu numa noite entre amigos, juntou a vontade de ser um super artista. Superlinox tem vindo a espalhar arte e curiosidade pela cidade de Setúbal. Prefere manter a sua identidade no anonimato e publica na sua página de Instagram as instalações que tem vindo a fazer desde finais de Setembro de 2020. Neste momento resta a ventoinha, na Estrada dos Ciprestes, mas garante que “ainda agora começou, ideias e projectos não faltam”, sempre com a sua marca presente de que o trabalho não será anunciado: “aparece e pronto”.

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Como nasce este projecto?

Este projecto começou com a instalação de uma máquina de lavar a roupa cor-de-rosa. Esteve em cima de um telhado de um edifício abandonado na auto-estrada de Setúbal durante oito meses, fruto de um caminho que se tem vindo a construir, inspirado por experiências de encontros e desencontros com pessoas e ambientes. Nasci e cresci em Setúbal no universo do graffiti e estudei Escultura na Faculdade de Belas-Artes. O Superlinox era inevitável. Foi só uma questão de tempo.

O que pretende o Superlinox mostrar com as suas obras?

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Pretendo muitas coisas e acredito que, além dos meus objectivos, existem tantos outros que me ultrapassam. E ainda bem. O meu trabalho é só aparentemente simples. As questões que evoca são inúmeras e nem saberia por onde começar. Sei que quero “falar” de coisas sérias enquanto me divirto ou divertir-me enquanto “falo” de coisas sérias.

De que coisas sérias falamos quando nos referimos a uma torradeira no Fórum Municipal Luísa Todi ou a uma chaleira na auto-estrada?

Todas as minhas esculturas têm uma relação directa e emocional comigo. A torradeira em cima do Fórum Municipal Luísa Todi, por exemplo, talvez tenha a ver com a minha preocupação face aos profissionais da cultura nestes tempos de pandemia. Em pleno segundo confinamento, o que andavam a fazer os actores? Para mim, só podiam estar em casa a comer torradas. Tal como uma cafeteira ou uma chaleira no balcão de uma cozinha é uma imagem perfeitamente normal, mas e se estiverem em cima de uma estrutura de ferro a seis metros do chão na auto-estrada? A transformação, a descontextualização e a deslocação dos objectos fazem parte da metáfora e da poética do meu trabalho.

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Que mensagens têm consigo, ou em si, estes objectos?

Uma vez que faço escultura no espaço público, interessa-me usar objectos que as pessoas reconheçam. De repente, estou a dar protagonismo a objectos que não têm qualquer estatuto de contemplação. A partir do momento em que são instalados, o espaço onde estão inseridos passa a ser também assunto. O parapeito do Fórum Municipal foi o palco da torradeira durante um dia, tal como as letras que dizem ‘Setúbal’, junto à rotunda do Alegro, foram o pedestal do “Joel” durante quatro. Os objectos e o lugar onde são instalados são pensados e, por vezes, a data de instalação também. O “Ricardo” foi instalado na Escola Secundária Dom Manuel Martins no dia em que as escolas secundárias voltaram a abrir depois do segundo confinamento e o “Joel” no 25 de Abril.

Em relação a estas esculturas que representam pessoas, quem são elas?

O “Manuel”, pintado de amarelo e instalado na zona industrial da Mitrena, é uma representação irreproduzível do meu pai, com vários objectos que lhe pertencem… ou pertenciam. Representa outros pais, não apenas o meu, e é uma homenagem à classe trabalhadora. O meu pai passou naquele local durante vinte anos, tal como outros continuam a passar. Apesar de ser uma obra pessoal, não me diz só respeito a mim. O “Ricardo” e o “Joel”, na verdade, são auto-retratos. Tudo o que têm vestido, eu vesti durante anos. O “Ricardo” é uma homenagem aos estudantes e ao futuro e o “Joel” é um “rebelde simpático” ou um “jovem indomável” à procura do seu lugar no mundo, tal como é um monumento à liberdade.

Várias esculturas duraram pouco tempo no sítio onde foram colocadas. Na verdade, hoje apenas resta a ventoinha.

A efemeridade é um assunto importante para o meu trabalho. E não é também uma questão pertinente na sociedade em que vivemos? Tudo passa por nós cada vez mais depressa. Ainda assim, a importância das coisas não me parece estar no tempo que duram. Para mim, o “Joel” tem mais significado que qualquer escultura pública de Setúbal, mas essas esculturas continuam lá e o “Joel” não. Provavelmente está fechado num dos armazéns da Câmara Municipal de Setúbal e é talvez a escultura mais contemporânea que a cidade alguma vez teve. Não sou só eu que sinto que as letras de Setúbal ficaram vazias. A torradeira durou apenas um dia, mas os setubalenses que a viram tiveram de olhar para o Fórum Municipal e provavelmente pensar na sua existência. O “Ricardo” foi muito bem recebido pela Escola Dom Manuel Martins e nunca pensei que alguém o fosse levar. Já o “Manuel” foi derrubado poucos dias depois da sua instalação. Achei uma imagem bastante simbólica e decidi deixá-lo caído até voltar a erguê-lo com um ramo de flores na mão. A 1 de Maio, dia do trabalhador, alguém decidiu levá-lo de vez. Fiquei chateado, mas o meu pai ficou mais que eu.

Que sentimento provoca esta fugacidade?

Mais importante do que o que sinto quando as esculturas desaparecem é saber que as pessoas também sentem coisas. Isso deixa-me muito feliz. É por isso que instalo esculturas na rua. Mesmo que a maioria das pessoas não possa comprar arte ou não se interesse por visitar galerias ou museus, acredito que a arte deve ser feita para as pessoas. Com as estátuas, dou voz àqueles que não a têm. Enche-me de alegria saber que a minha escultura é uma voz que se ouve e que a arte não está morta e faz sentido continuar a existir. Recordo-me das palavras que um intelectual de Setúbal um dia me disse: “Os artistas têm de ser amados ou odiados. O meio-termo é a indiferença. A pior coisa que pode acontecer a um artista é tornar-se indiferente”. Há quem me ame e quem me odeie. Indiferente, certamente não serei.

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