Mostra engloba trabalhos de 18 artesãos, verdadeiros mestres. Muitos já não estão entre nós, mas o seu legado é eterno
Com a época natalícia a fazer-se sentir, a Capela do Espírito Santo dos Mareantes de Sesimbra abre as portas à conceituada exposição “O Presépio Popular de Barro em Portugal”.
António Pinho, um dos responsáveis pelo Clube das Artes, vagueia pelas figuras expostas ao longo da capela e agarra cuidadosamente algumas das peças que foi recolhendo ao longo de mais de 20 anos.
“Não se pode ter mãos de manteiga ao pegar nestas relíquias”, afirma com um sorriso. São 18 os artistas representados na exposição que retrata os principais centros de produção de barro portugueses. Estremoz, Barcelos, Gaia, Porto Santo, Fazamões, Mafra, Viseu e Lisboa têm o barro em comum, mas utilizam-no de forma muito própria que provoca um agradável leque de cores à vista.
“A maioria dos artesãos aqui representados já morreu e é interessante porque tinham formas típicas de trabalhar o barro. Este, por exemplo, é característico de um artista de Fazamões. Não é verdadeiramente barro negro, mas é cozido debaixo de terra e esse processo leva a que o fumo concentrado provoque esta cor escura”, explica o coleccionador.
Entre figuras altas e baixas, simples ou detalhadas, António Pinho vai passando o olhar pelo figurado e apressa-se a desvendar as histórias por detrás do barro. “Este é um dos grandes mestres de Barcelos, Mistério Pai. Existe uma grande sucessão de filhos, netos e mulheres que se dedicaram à arte. É uma espécie de tribo, mas este é o fundador. Ah… este belíssimo é de um autor anónimo de Guimarães. É uma coisa muito invulgar e pormenorizada que nunca conseguimos descobrir quem produziu”, confidencia.
Reconhecer o artista popular
Com a voz mergulhada em afecto, António Pinho admite ter um objectivo específico ao divulgar a exposição. “Sou advogado, mas recolher peças para a colecção é o meu ‘hobby’. E faço-o com um propósito muito especial: dignificar o artista popular. Enquanto os artistas contemporâneos são reconhecidos como artistas, muitas vezes os artesãos não têm essa dignidade. E considero que devem ter”, salienta.
É com esse objectivo presente que confessa levar “a missão” de coleccionador “muito a sério”, revelando que, mais do que “proteger e conservar”, a ideia é “partilhar”.
“Nós não somos propriamente proprietários de arte, seja ela de que tipo for. Portanto, é nossa obrigação dar a conhecer estes trabalhos, sem qualquer custo associado”, defende.
Além de marcar presença em vários pontos de Portugal, a exposição já levou o melhor do barro português a países como Bélgica e Brasil que, nas palavras do advogado, demonstraram grande receptividade.
“Em Bruxelas fizemos algo que foi um grande sucesso. Numa exposição de Fernando Lemos, um dos fundadores do surrealismo português, adicionámos peças da Rosa Ramalho [artista popular]. Estavam presentes críticos de arte belgas que pensaram mesmo que eram ambos artistas eruditos e ficaram impressionados com a qualidade das peças da Rosa Ramalho”, revela.
Aberta ao público até dia 9 de Janeiro de 2022, a exposição evoca aquilo que António Pinho considera ser um “reencontro com a nossa identidade”.
Colecção Um património com mais de três mil peças
“O Presépio Popular de Barro em Portugal” insere-se na vasta colecção privada do “Clube das Artes” que engloba mais de três mil peças, recolhidas de Norte a Sul de Portugal.
Além de presépios em figurado, existem outras temáticas que representam a cultura popular portuguesa, como as procissões, o vinho e a religião.
A exposição já deu origem à edição do livro intitulado “O Figurado Português: de Santos e Diabos está o Mundo cheio”.