Proximidade entre os setubalenses residentes nas zonas foi factor preponderante na construção da obra
O Museu do Trabalho Michel Giacometti, sediado na antiga fábrica de conservas de peixe de Setúbal, acolheu a apresentação do livro “Caminhos com História – Memórias dos bairros dos Pescadores e do Grito do Povo”, da autoria das irmãs Joana e Vanessa Amorim.
Na sessão, realizada na passada terça-feira, estiveram presentes cerca de quatro dezenas de pessoas para escutar os testemunhos dos dez habitantes mais antigos dos bairros.
O projecto de recuperação e requalificação de espaços públicos no território da Anunciada, levado a cabo pela Câmara Municipal de Setúbal em 2014, serviu de inspiração. Passados três anos, o processo contou com a colaboração e o envolvimento da população dos bairros dos Pescadores e do Grito do Povo, através de oficinas colaborativas, numa tentativa de cruzar pontos de vista e adaptar as obras às necessidades dos moradores.
Isto, porque “a decisão de preservar e manter o próprio território deve ser de quem o usa”, explicou Conceição Loureiros, chefe da Divisão de Direitos Sociais da autarquia sadina. “É neste trabalho de relação que fazemos entre os territórios que começa a nascer a preocupação em preservar as memórias”, acrescenta.
Para a chefe da Divisão de Direitos Sociais, a grande inovação que o projecto traz “é, sem dúvida, a cooperação entre as várias entidades envolvidas, que juntou o ponto de vista mais técnico da Câmara Municipal com o olhar de quem vive nos dois bairros”.
Já Joana Amorim, co-autora do livro, socióloga e também residente no Bairro dos Pescadores, sublinhou a proximidade entre os moradores da zona como factor preponderante na construção da obra.
“Temos uma proximidade afectiva que acaba por nos ajudar na construção. Em alguns momentos também pode dificultar, porque sentimos tudo mais à flor da pele”, conta.
O facto de que nada no livro foi inventado ou pensado por quem o escreveu foi também realçado pela socióloga, tratando-se somente de um produto dos testemunhos de cada setubalense.
Por sua vez, a irmã Vanessa Amorim, antropóloga de profissão, refere que a publicação assenta na rejeição da ideia de memória como coisa do passado. “As memórias individuais alimentam as colectivas, e vice-versa. Para nós foi importante haver este enquadramento, pensar as memórias num contexto mais largo e num contexto social, cultural, económico”, afirma.
Um dos principais objectivos do livro “Caminhos com História” é também romper com o preconceito enraizado de que os bairros dos Pescadores e do Grito do Povo são apenas de pescadores e de trabalhadores da indústria conserveira.
Vanessa Amorim sublinha que o que pretendem não é rejeitar o legado dos bairros, mas “contar para além” disso e reivindicar os lugares na cidade, afirmando que “Setúbal não pode ser contada sem a [sua] história”.
A terminar, a oradora invocou ainda uma expressão popular entre os pescadores: “O chumbo sobre a cortiça”, que faz referência à atitude desafiadora que estes bairros demonstraram em vários momentos da história, relativamente à posição subalterna em que o poder os colocava.
“Durante muito tempo estes bairros foram só o chumbo, a classe trabalhadora, que fazia mover a cidade, mas este chumbo no pós-25 de Abril ousou ir por cima da cortiça e muita coisa mudou”, garantiu.
O evento contou igualmente com a presença de Pedro Pina, vereador com o pelouro da Cultura, que classificou o evento como a realização de “um bocadinho de Abril”, destacando a importância de todas as pessoas na construção de Setúbal.
Também o actor e encenador Almeno Gonçalves esteve presente na apresentação, onde procedeu à leitura expressiva de alguns excertos por si seleccionados.