Para este ano estão marcadas diversas iniciativas de homenagem ao mestre que deixa marca no jazz português e mundial
Comemora-se este ano o centenário do nascimento de Carlos Paredes, ao longo do qual, variadíssimos eventos em Portugal e também fora de portas, vão assinalar a data e prestar homenagem a este nome gigante da música e da cultura portuguesas.
Impossível falar da história da guitarra portuguesa, sem falar de Carlos Paredes, músico e compositor de enorme dimensão nacional e internacional, com um estatuto que só os grandes génios atingem, com a humildade que só os génios conseguem evidenciar.
E essa humildade foi bem visível no encontro com Carlos Paredes (que tive o privilégio de viver), para uma entrevista exclusiva para O SETUBALENSE, decorria o ano de 1988 e que destaquei então no texto introdutório. “Difícil falar de Carlos Paredes, porque não são as palavras que melhor definem o mestre, o estudioso da guitarra portuguesa. Falar com Carlos Paredes é fácil, porque sendo de uma amabilidade, de uma simpatia, de um prazer de diálogo, extremos, ele fale, sem vedetismos, da sua paixão, da guitarra portuguesa, da sua música”.
Carlos Paredes justificava então aos elogios. “Há uma manifestação de simpatia por parte dos jornalistas, o que os leva a atribuírem-me predicados que não tenho. Fazem-no porque gostam de ouvir guitarra, simplesmente”.
Nasceu em Coimbra, a 16 de Fevereiro de 1925, oriundo de uma família na qual a guitarra foi instrumento fundamental. Filho de Artur Paredes, compositor e guitarrista, e neto de Gonçalo Paredes, também guitarrista, Carlos Paredes confidenciava-me na referida conversa que “o meu avô e o meu pai estão na origem do chamado estatuto da guitarra de Coimbra”.
Perante isto, está tudo dito quanto à real importância musical e cultural desta família, pelo que – com 9 anos quando a família se mudou para a capital – começou a acompanhar à guitarra o seu pai e cinco anos mais tarde, já participava no programa que o seu progenitor tinha na então Emissora Nacional.
A par do caminho escolar dito normal, que terminou no primeiro ano do Instituto Superior Técnico, Carlos Paredes, por influência materna, teve formação musical em violino e piano, o que lhe conferiria uma importante cultura musical.
Curiosamente, talvez seja necessário efectuar um enquadramento social e cultural da época, para entendermos a razão pela qual, aos 24 anos entra para os quadros do Hospital de São José, onde trabalha nos arquivos e onde se mantém até se reformar, em finais de 1986.
Voltando ao universo musical, Carlos Paredes surge em destaque nos anos 60 na chamada escola de Coimbra, ao lado de nomes importantes para a cultura portuguesa, como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Luiz Goes, António Portugal e Manuel Alegre.
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Uma vida dedicada à música e a outras artes
“Verdes Anos”, um EP de 1962, marcaria o início da década e tornar-se-ia um disco icónico e intemporal, também por força da sua associação ao filme com o mesmo nome, de Paulo Rocha.
Ainda neste período o cinema e as suas bandas sonoras estiveram presentes na obra de Carlos Paredes. “Fado corrido” de Jorge Brum do Canto (1964), “As pinturas do meu irmão Júlio” de Manoel de Oliveira (1965), “Mudar de Vida” de Paulo Rocha (1966), “Crónica do esforço perdido” de António de Macedo (1966), “A Cidade” de José Fonseca e Costa (1968) e “The Columbus Route” de José Fonseca e Costa (1969), são alguns dos muitos filmes que contam com a música de Carlos Paredes, que também manteve parcerias nas áreas do bailado e do teatro, com nomes como José Cardoso Pires e Carlos Avilez, entre outros. As peças icónicas como “As bodas de sangue” ou “A Casa de Bernarda Alva”, fazem parte do seu currículo.
O seu primeiro álbum seria “Guitarra Portuguesa” (1967), mas seria quatro anos mais tarde que surgiria “Movimento Perpétuo”, aquele que é unanimemente considerado a sua obra-prima. O disco perfeito, de um músico perfeito e perfeccionista, ainda hoje uma referência nacional e internacional.
Após o 25 de Abril de 1974 a carreira de Carlos Paredes atingiu outra dimensão – tinha sido preso pela polícia política no final dos anos 50 – com a abertura de fronteiras ao Mundo. Grava o álbum “É Preciso um País”, no qual surge Manuel Alegre a declamar poemas seus, em 1975.
Nos anos 80, muda de editora e em 1983, o álbum “Concerto em Frankfurt”, lançou definitivamente Carlos Paredes, para um estrelato internacional, chegando a outro grande mestre da guitarra, Paco de Lucia, que manifestou a vontade de tocar com o mestre português.
Abordámos este tema na nossa conversa, uns anos mais tarde. “Sou muito amigo do Paco de Lúcia, admiro-o muito. Sei que ele manifestou interesse em tocarmos juntos. A forma de ele tocar flamengo e a forma que eu tenho de tocar guitarra portuguesa, exige que os dois abdiquemos dos nossos estatutos, para nos encontrarmos, percebe?”. E concluiu, com algo que só viria a acontecer nos anos 90. “Acho a ideia aliciante, mas desejava, em primeiro lugar, fazê-lo em privado”.
Grava, entretanto, com o Maestro e pianista António Vitorino de Almeida o álbum “Invenções livres” e em 1988, “Espelho de sons” entra – surpreendentemente – para os lugares cimeiros do topo das vendas em Portugal. Segue-se “Asas sobre o mundo” e “Dialogues”, este último em parceria com Charlie Haden, um nome maior do jazz mundial. Tocou ainda num concerto com os Madredeus no Coliseu.
Uma doença do sistema nervoso central pôs fim a uma carreira de um músico ímpar, prendendo-lhe os movimentos e impedindo-o de tocar. Morreria a 23 de Julho de 2004, tendo sido decretado luto nacional.
Para memória futura ficaram obras geniais como “Na corrente” (1996), com material inédito e várias compilações como “O melhor de Carlos Paredes: Guitarra” (1998), “Uma guitara com gente dentro” (2002) e “O mundo segundo Carlos Paredes” (2003), para além de temas seus integrarem coletâneas sobre guitarra portuguesa.
Opinião Musical