24 Julho 2024, Quarta-feira

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Vitória Futebol Clube – A Assembleia Geral

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2 Dezembro 2020, Quarta-feira
Cândido Casimiro

Todos reconhecemos que os actuais Estatutos necessitam de uma alteração profunda, mas enquanto tal não acontece, temos de nos regular por estes.

Assim sendo,vejamos à luz destes Estatutos a convocação, o modo e realização de uma Assembleia Geral, a seguir AG, de destituição da Direcção, por voto secreto de todos os sócios no pleno gozo dos seus direitos.

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Compete à AG eleger e destituir os òrgãos Sociais (al b) do nº 1do artigo 26 dos Estatutos, que se referirão todos os artigos,não excepcionados, a seguir indicados)

As AG Eleitorais, estão, melhor ou pior, regulamentadas nos Estatutos, mas para as AG destitutivas de Órgão Social, o modo de as realizar não está expressamente previsto.

Como resolver o problema?

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Como questão prévia, diremos

Na interpretação e integração das lacunas da lei, temos de ter em conta que todo o Direito é emanação da ordem social. Dentro de cada ordem social surgem-nos as fontes de direito como modo de formação e revelação de regras jurídicas, estando o problema em determinar qual a fonte que deve ser considerada básica no sentido de ser depositária dos princípios fundamentais do Direito. E aqui respondemos claramente, nas leis.

Ora as leis formam um conjunto unitário, que são repositório dos princípios fundamentais da ordem juridica, sendo particularmente importantes os códigos, que se caracterizam por unificar sistematicamente um sector da ordem jurídica à luz dos princípios gerais.

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O problema está pois, primeiro na interpretação e depois na integração das lacunas da lei.

No primeiro caso, a que se reporta o artigo 9º do Código Civil, este refere expressamente “ A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir o pensamento legislativo, tendo em conta sobretudo a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”

Porém no dizer do Prof Dr Oliveira Ascensão em “ Interpretação das Leis, Integração das Lacunas. Aplicação do Principio da Analogia “ publicada na Revista da Ordem dos Advogados (Ano 1997-Ano 57-vol III – Dez 1997) que vimos seguimos de perto e vamos continuar a seguir, este refere:

“ a interpretação não se pode bastar nunca com o texto e o espirito da lei. Há um elemento essencial que é a base de toda a interpretação: é a própria ordem social em que o texto se situa. Há que rejeitar a ilusão positivista de que a lei é auto-suficiente e que a “norma “ pode ser vista com abstração da ordem social. Pelo contrário, a lei só logra ganhar sentido se integrada numa ordem social. O direito é mais que a lei. O direito é ordem da sociedade. Na interpretação da lei prevalece o espirito sobre a letra da lei, tendo como limite o minimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. “

Quanto à integração de lacunas

“As leis não podem conter tudo. A mente humana não é capaz de contemplar toda a realidade. As previsões legais, por mais pormenorizadas, são com frequência ultrapassadas pela realidade: a vida é mais imaginativa que o legislador. Até leis que são completas no momento em que são postas em vigor, acabam por se tornar lacunosas perante a alteração de condições sociais”

Para de seguida e citando o Prof Dr Gomes da Silva dizer” a lei não é uma colecção de regras mas de lacunas”. “Mas nem tudo que a lei não prevê é uma lacuna. O que fica por regular é afinal mais do que aquilo que vem directamente previsto”

”É preciso, atendendo à índole e estrutura daquele sistema, que possamos dizer que se trata de matéria que falta, mas que devia lá estar. Porque a feição do sistema, como resulta das suas manifestações específicas, deveria abranger aquela situação. Sendo assim,a falta é uma anomalia; vai contra as orientações do sistema. Há então uma lacuna.”

No dizer do lexionário do Diário da República, “ As razões que conduzem à existência de lacunas, prendem-se, entre outros factores ao aparecimento de situações imprevistas”.

“As lacunas devem ser integradas pela analogia, mas esta tem como limite a inexistência de caso análogo, a que o artº 10º do Código Civil responde:” Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espirito do sistema.”

Depois destas considerações que reputamos de importantes para a compreensão do problema diremos:

Dispõe o artigo 20º, entre outras, que “o mandato cessa antecipadamente por destituição”

Dispõe o artº 23º que “ A revogação do mandato dos órgãos sociais é da competência da AG em reunião expressamente convocada para o efeito”

Compete à AG eleger e destituir os órgãos sociais (al) b do nº 1 do artº 26)

A AG comum reúne extraordinariamente em qualquer data, por iniciativa do Presidente da Mesa da Assembleia Geral (al) a) do nº 1 do artigo 34º), cuja competência está definida no artº 37, quando na alínea a) diz que é competência do PMAG “ convocar a Assembleia Geral fixando a respectiva ordem de trabalhos “ Esta é uma competência própria do PMAG e não da MAG e o facto de este ter pedido parecer ao Conselho Fiscal e ao Conselho Vitoriano, tem de ser entendido como um mero parecer sem carácter vinculativo.

Posto isto, parece-nos inquestionável que o PMAG tem legitimidade e competências para convocar uma AG comum extraordinária, por sua iniciativa e fixar a ordem de trabalhos. A convocatória obedeceu ao disposto no artº 35º, pois foi publicada no jornal “O Setubalense” com 8 dias de antecedência, estando cumpridos todos os preceitos estatutários. E aqui um parenteses para dizer que a convocação desta AG torna inútil a AG requerida por associados ao abrigo do artigo 34º, por inutilidade superveniente, pois que o objecto da mesma está esgotado na assembleia marcada.

Desde já dizemos e rejeitamos o argumento que nas AG comuns tem de haver 30 minutos para discutir assuntos fora da ordem de trabalhos e sem poder deliberativo e que sem isso não poderá haver  AG . Sejamos francos, não tendo poderes deliberativos, qual a essencialidade desta discussão? Nenhuma… , o que está em causa é por demais grave para considerar a impossibilidade de realizar   uma assembleia por uma razão destas.

Resta-nos apreciar a questão da AG não ser presencial, isto é, os associados não poderem discutir oralmente a destituição da Direcção, mas sim votar directamente a destituição da Direcção, nos termos constantes na convocatória.

Esta assembleia que podemos chamar de referendária, está prevista no corpo da lei que são os Estatutos? Não está. Trata-se claramente de uma lacuna, já que os Estatutos prevêm que o mandato cessa antecipadamente por destituição, depois, incoerentemente, fala em revogação de mandato, que tem de ser entendido com destituição, em AG convocada para o efeito, sendo sua competência destituir os orgãos sociais.

Os Estatutos são omissos quanto ao modo em que se deve realizar esta AG, pelo que teremos de integrar esta lacuna, por forma a resolver a situação. Para isso teremos de ter em conta o pressuposto essencial que é o estado de emergência decretado, entre outros, para o concelho de Setúbal e a não autorização da DGSaúde para realizar uma AG presencial, por não estarem assegurados os princípios do distanciamento, da aglomeração de pessoas e o próprio horário de funcionamento devido ao recolher obrigatório, para impedir o risco de contágio no âmbito do combate à epidemia do covid19.

Não podendo todos os associados estar presentes no mesmo local simultaneamente, colocam-se como alternativas, viáveis e exequíveis, porque a sobrevivência do Vitória não se compadece com 3 /4 meses de espera, entre outras, o uso de plataformas digitais ou a votação de propostas concretas em que estejam definidas as consequências.

No caso do uso das plataformas digitais, tem de se ter em conta o argumento, forte, da impossibilidade de todos terem acesso às mesmas, pelo que a realização de uma assembleia, tipo referendária, em que uma questão concreta e objectiva é colocada à votação, dá mais garantias de todos os associados poderem manifestar a sua vontade, garantindo o princípio da igualdade e de oportunidade.

Pode colocar-se-á questão da informação e da discussão sempre desejáveis, mas pensamos que o valor maior é o da clarificação da vida do Vitória e a sindicância das promessas, de cumprimento imediato, e não cumpridas e as perspectivas de futuro, que se apresentam muito sombrias, em especial para o futebol profissional. A maioria dos associados estão preocupados com a situação do Vitória e não falta a diversidade de informação veiculadas pela comunicação social falada e escrita, os comunicados da Direcção e de outros órgãos Sociais e as muitas tomadas de posição pública dos associados.

Por outro lado é manifesto, que no caso em apreço, a Direcção tem mais possibilidades de fazer passar a sua mensagem, até por ausência de contraditório, o que lhe é mais favorável, do que estar sob pressão dos associados, pelo que não vê coartados os seus direitos de defesa.

Pelo exposto, concluímos pela verificação de uma lacuna e na falta de caso análogo que regule a impossibilidade legal de reunir presencialmente a Assembleia Geral, há que, atendendo ao espirito dos Estatutos, resolver a situação criando uma norma neste sentido, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 10º do Código Civil.

Assim a convocação, realização e modo de funcionamento da Assembleia Geral marcada para 04 de Dezembro é LEGAL

Setúbal 30/11/2020

Cândido Casimiro

Advogado e Sócio do Vitória nº 1530

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