Agora que Portugal entregou o Plano de Recuperação e Resiliência, Bruxelas já avisou que “vamos a exame todos os semestres”. E o Governo acrescentou que “não podemos falhar”, Portugal terá que se sujeitar às regras de avaliação que acertou com a Comissão Europeia.
O que ainda não é totalmente claro é quais são as regras de avaliação concretas que foram acordadas. Estamos a falar de sujeição a regras semelhantes à do semestre europeu ou estamos a falar de execução pura e simples de projetos? Estamos perante algum cenário em que possamos estar a falar de condicionalismos ou contrapartidas pelo cumprimento ou não cumprimento dos objetivos? A dúvida é legítima porque o histórico europeu nesta matéria é péssimo.
Tomemos como exemplo a saúde. Por um lado, continua a falar-se em mais equipamentos, equipamentos necessários e importantes, mas não se fala em mais profissionais. Ora, não podendo com o PRR haver reforço de profissionais, quem vai operar os meios e equipamentos novos? Vai ser tudo mais tarde contratualizado com os privados ou privatizado, desviando para um setor já enriquecido o investimento tão necessário no Serviço Nacional de Saúde?
Por outro lado, a Ministra da Saúde já admitiu que podem estar incluídas nas contrapartidas a reorganização de urgências e a redistribuição de recursos. Nos documentos, primeiros escondidos e depois divulgados, em que o Governo se compromete com uma série de medidas para aceder ao PRR lê-se na área da saúde o seguinte: “atualização das redes de referenciação para as várias especialidades hospitalares, da reconfiguração das carteiras de serviços dos hospitais e do reforço do modelo de organização de urgência metropolitana”.
Também aqui a suspeita é legítima. Esse modelo de urgência metropolitana, sempre que é apresentado, envolve o encerramento de urgências hospitalares já existentes. E a reconfiguração da carteira de serviços, sempre que é colocada em cima da mesa, é para concentrar determinadas especialidades em apenas alguns hospitais. É preciso, por isso, que o Governo diga em que consistem tais compromissos.
Entretanto pouco ou nada se sabe sobre a construção de novos centros de saúde tão necessários como o do Feijó ou o da Quinta do Conde. O hospital do Seixal continua a ser uma miragem. O investimento para a ampliação do hospital de S. Bernardo chega a conta gotas. O Hospital Garcia de Orta, que serve atualmente uma população estimada em mais de 350 mil habitantes, continua sem condições físicas ou de recursos humanos para garantir o acesso à saúde em boas condições, arrastando, por exemplo, a falta de resposta da urgência pediátrica. A falta de médicos de família continua a ser gritante.
A bazuca europeia não vai – nem poderia – substituir-se ao investimento público necessário para dotar o SNS dos recursos necessários para servir o país e o distrito de Setúbal. Mesmo com a bazuca europeia, a subida programada pelo Governo para o investimento público deste ano é curta, quando comparada com o caminho que já era esperado, fica apenas uma décima acima do que se previa no período pré-pandemia.
O Governo pode estar com receio do exame europeu mas para não ir ao engano o melhor é perceber já que o exame que conta é o exame ao investimento público para responder à crise. E esse é feito cá dentro.