O COVID-19 surgiu nas nossas vidas como um furacão que absorve toda a nossa atenção. Fá-lo, inclusivamente, com todo o “chinfrim” mediático que ironicamente a nossa moderna civilização possibilita. É expectável que isso aconteça, estamos perante uma emergência de saúde pública, temos uma preocupação natural com aqueles por quem temos afeto, connosco próprios e, claro, com o que será o nosso futuro próximo e o futuro mais além. Neste processo, a esperança, a ciência e a solidariedade serena e responsável são as nossas maiores aliadas. Por força da necessidade de respeitar o distanciamento social que permite travar o contágio, muitos de nós (a larga maioria, espero) estão em casa, por nós e pelos outros. Nunca tivemos tanto tempo para fazer tão pouco e essa sensação, hoje em dia, é-nos algo contraditória e quase desconhecida. No entanto, podemos sempre e até devemos, refletir.
A verdade é que estamos a ser submetidos a uma espécie de espelho gigante, em que conseguimos ver claramente (entre tantas) uma coisa – prioridades . Nesse espelho, essas prioridades são um pouco como a beleza, no sentido em que cada um avistará as suas… Todavia, o útil é analisarmos a nossa capacidade de gerar prioridades coletivas e percebermos não só como se processam, mas também aferir a necessidade de redefinição. De entre várias que poderia referir, desde o SNS, o combate à desinformação, ou os novos moldes laborais, comerciais e de produção, há um reflexo que sobressai e que hoje me traz aqui – a nossa relação com o ambiente.
É curioso pensar o que se passará na cabeça dos pombos na Praça do Bocage ou dos golfinhos-roazes do Sado. Os primeiros talvez pensem que estamos “de birra” com eles pela pouca deferência que têm mostrado para com as nossas cabeças. Os segundos, de certeza, estarão a apreciar a tranquilidade. Isto para dizer que o planeta há muito precisa de descansar de nós e de um modo de vida que cada vez mais o esgota até ao ponto da saturação. Precisamos de uma nova síntese ecologista que reforce o mutualismo como algo basilar na nossa relação com o planeta.
A necessidade de um novo diálogo é bem visível na Península de Setúbal. Poucos sítios no mundo terão a conjugação tão abençoada de serra, mar, praia, fauna e flora que a torna especial e única. Mas a sua salvaguarda não passa pelo imobilismo e “deixa-andar” do desordenamento do território. O estuário do Sado merece respeito, mas este passa também pela reinterpretação de políticas e pressupostos. Os bloqueios por sinuosidade política ao desenvolvimento da região e a qualquer movimento transformador do território não são benéficos, sobretudo quando a evolução se pauta pela sustentabilidade e pelo enquadramento ambientalmente responsável de vectores como o turismo e os transportes. O desafio do presente não está, afinal, em conseguir transformá-lo em conhecimento para o futuro?
Vim aqui partilhar a minha reflexão. Com ela, apelo a todos que se cuidem – de si, dos outros e do planeta.