Um ano que começa

Um ano que começa

Um ano que começa

15 Janeiro 2025, Quarta-feira
António Guerreiro

Outro que finda e na televisão, a propósito e entre conversas, já a tendo escutado antes, escuto-a de novo, extraída da letra de uma canção, uma frase que diz: “…afinal o tempo fica, nós é que vamos passando”.

Podendo ser uma forma de o ver, talvez poética, talvez também real, já que findo para quem com ele se foi, ele fica, para quem o segue contando e contando-o: ele vai passando. Camaleónico mestre na arte da ilusão, faz-nos sentir que corre por vezes e outras, se arrasta; mas passa.

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Porque ele passa! Ho, se passa!

Não morre, enquanto nele viverem memórias, mas passar, ele passa. Como não…? Senão, porque o vejo eu lá tão longe, quando o recordo jogando á carica no lancil do passeio do Jardim da Estrela? Nos corredores do liceu, nas aulas ou fugindo delas, para ver gente subir a avenida a gritar revolução. Vejo-o, descobrir o amor, depois, a assentar praça, a fazer continência, a lutar, na vida, no trabalho, consigo mesmo, sobrando ou faltando. Mais perto, vejo-o levantando a taça do campeonato europeu de futebol e mais perto ainda, fechando gente por detrás da máscara e das portas. Começando uma guerra, começando outra e outra, alimentando todas e não cessando nenhuma, e assim, sem nunca parar, o tempo que presente está, presente vai passando.

Ele vem, está connosco trezentos e sessenta e cinco dias e trezentas e sessenta e cinco noites, num conjunto de vinte e quatro vezes sessenta minutos, assim, decidimos medi-lo e ele, assim vem e assim vai. Impossível de contar, pois impossível de parar, somando-se a si mesmo, segundo a segundo. Com o estrondo do que chega, devagarinho, dia após dia, aí se vai afastando o que finda. Ficando vivo dentro de nós de maneira diferente para cada um, como e enquanto a memória o segurar. Gostando uns de o esquecer, mal parte, ansiosos estando pelo seu passar, chorando-o já outros, que o não queriam ver partir.

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É que ele, trouxe vida! Fez nascer gente, trouxe paixões, vitorias, sonhos realizados, trouxe alegrias e trouxe paz. Mas trouxe também morte, separação, decepção, fracasso, tristeza e trouxe guerra. E como todos os seus antecessores, num caminho que não conseguimos alterar, trouxe muito a poucos e trouxe muito pouco, a muitos. Encheu mais uma vez demais o prato de alguns e matou á fome milhões. Prometeu inverter o processo, mas trouxe o agravamento da crise climática e gritou, que já é curto para o fazermos.

Generoso, tal como passa e vai, ele chega. Renova-se constante, dando-nos a cada renovação nova oportunidade de corrigir, de cumprir, de tornar real o que desejamos, o que lhe prometemos. Mas principalmente, para com ele refletirmos no que que dele usámos mal, gastando-o no odio, raiva e preconceito, violência, choro, dor e morte. E gratos, o aproveitarmos inteligentemente, certos de que nada, que a ganância e o egoísmo nos fizeram acumular, desperdiçando-o e á vida que nos trouxe, poderemos carregar, quando com ele nos levar. Um ano que começa, outro que se vai, esperando que ao passar nos tenha ensinado que o importante, não é o quanto dele se vive, mas sim, o que se vive nele.

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