Não tenhamos ilusões de como o protestantismo se disseminou na Europa após a invenção da imprensa de Gutenberg.
Também a democracia está a ser ameaçada com a sua tentativa de adaptação às redes sociais.
A democracia não foi pensada para um mundo em comunicação 24 horas por dia com um alcance global.
Hoje as opiniões e os extremismos crescem em dimensões ritmadas pelo clique.
A cultura do cancelamento de artistas demonstrou como fazer justiça através das redes sociais pode ser perigoso.
Surgiu como um fenómeno onde artistas que se comprovava que tenham tido episódios de assédio sexual deviam ser punidos na sua forma de expressar a sua arte. Levando a concertos cancelados e espetáculos stand-up comedy, por exemplo. Escalou em que frases retiradas do contexto e pequenas opiniões levavam aos cancelamentos de artistas sem provas concretas.
Em janeiro de 2023, a peça “Tudo sobre minha mãe” foi alvo de um protesto onde a cara principal deste acto foi Keyla Brasil – uma mulher trans.
Num mundo em que se diz que existe lugar para todos. Foi onde conseguiu que a sua voz fosse ouvida num ato corajoso. O que nos deve levar a refletir ao ponto que a comunidade trans tem que agir para ser notada e escutada? Porque existe, efetivamente, discriminação!
Mas até quando este protesto pelos direitos trans não ultrapassou a fronteira do protesto para a zona de limitação da criação artística?
A verdade é que a fronteira entre o protesto na liberdade artística e a censura é muito ténue. E devemos ser muito cuidadosos para não ultrapassarmos.
Dramaturgos, escritores, produtores e realizadores não negoceiam a sua criação artística. O dia em que uma criação artística tiver que ser negociada estamos condenados a uma censura mascarada.
Em Lisboa está em cena – “A noite de Reis” uma peça de Shakespeare. As personagens femininas foram substituídas por atores masculinos. Permitiu-se a total liberdade artística. Porque não houve protesto? Sejamos francos estamos num ponto onde sabemos que se atores substituírem atrizes em papéis femininos estamos seguros de que é liberdade artística e não discriminação.
Que cria outro debate: O que é realmente inclusividade? O que é realmente diversidade?
É estarmos divididos em tribos de identidade de género e orientação sexual e não podermos imiscuir? Onde só podemos ocupar os lugares predestinados para? Não devia ser a inclusividade, realmente inclusiva e não importar a nossa identidade de género, se somos cis ou trans e a nossa orientação sexual?
Bem sei que é uma utopia sermos só vistos como ser humanos só seria possível num Mundo sem discriminação, sem preconceito, sem homofobia, sem privilégio de classe e sem racismo. Não podemos ignorar ou pedir para esconder as cicatrizes da luta que muitos envergam pelos que têm privilégios sem se aperceberem, inclusive eu.
Uma pessoa trans tem uma dificuldade incalculável no mercado de trabalho. Nós, sociedade, temos um mundo de políticas públicas para desbravar.
O “teatro” político do protesto, encenado pelo Grupo Parlamentar do CHEGA, em plena Assembleia da República no passado dia 3 de fevereiro.
Mas pensemos bem na sua dimensão. O protesto surgiu após a aprovação de um parecer que recusou o levantamento da imunidade parlamentar num processo instaurado pelo CHEGA por difamação uma deputada do BE.
Não foi este protesto uma pequena birra quando a democracia não abona a nosso favor?
Não podemos interpretar este caso como a postura do CHEGA em relação às instâncias e instituições democráticas do nosso País?
Não haveria outra forma do CHEGA comprovar a sua posição sem um desrespeito á casa da democracia e no limite a uma colega parlamentar?
Então qual é o limite de protesto na Assembleia da República? Onde se define? Qual é o limite de respeito para com os colegas parlamentares e mais ainda para com o Presidente da Assembleia da República?
Não aceitamos vernáculo, nem o episódio de Manuel Pinho. Quais os limites que podemos aceitar?
Em suma, quão democráticos e tolerantes estamos a ser a aceitar atitudes antitolerantes?