As mais recentes tendências demográficas, no nosso país e em todo o mundo ocidental, apontam alterações significativas, com destaque para uma acentuada diminuição dos nascimentos. Neste sentido, segundo estimativas do Instituto Nacional de Estatística, em 2060, a população portuguesa menor de 15 anos não será mais de 12%. Números concretos são aqueles que registam uma redução de 37,3% de crianças entre 1981 e 2011 – de acordo com os respectivos censos.
Curiosamente, se o peso das crianças nos números da população tem vindo a recuar, o seu espaço jurídico, social e pessoal por direito próprio ganha cada vez mais reconhecimento e consistência.
Esta consciência colectiva sobre a importância da infância e o reconhecimento dos “direitos da criança” ganha voz efectiva, em 1924, na Declaração de Genebra, seguindo-se a Declaração dos Direitos da Criança adoptada pelas Nações Unidas em 1959. Mas apenas em 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança dá a estes direitos uma força jurídica internacional, pois os Estados signatários passam a ser juridicamente responsáveis pela sua salvaguarda.
Em Portugal, a Convenção integra a legislação nacional entre outros documentos que acautelam estes direitos fundamentais, dos quais se destacam a não discriminação; o interesse superior da criança; o direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento; e o direito à opinião, a ser ouvida.
Este último, sobretudo, convida a que analisemos a forma como é feita a audição de menores nos processos judiciais e administrativos que lhes dizem respeito. Esta participação é vital não só para a melhoria do funcionamento da justiça, em todas as suas dimensões, mas também para a concretização do princípio do superior interesse da criança. E apesar de, nos últimos anos, terem sido implementadas algumas alterações, nomeadamente legislativas, que promovem o seu reforço, o processo de audição aos menores continua a não estar garantido na prática judiciária, seja porque as crianças simplesmente não são ouvidas, seja porque as condições adequadas à audição não existem.
De facto, a FRA – Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no seu relatório “Uma justiça adaptada às crianças: perspectivas e experiências de profissionais”, revela haver ainda um longo caminho na adaptação dos procedimentos judiciais a menores na UE. E, juntamente com o Comité de Ministros do Conselho da Europa, faz recomendações concretas para essa caminhada como a necessidade de criar condições para que a criança seja sempre ouvida, a existência de formação específica para os profissionais que trabalham directamente com os menores, a existência de salas adaptadas para audição, a garantia do direito à informação da criança durante todo o processo, o seu acompanhamento por pessoa de confiança, a gravação das audições e o direito à não discriminação.
Urge criar um sistema de justiça adaptado às crianças, que as proteja e salvaguarde devidamente os seus direitos, tanto no nosso país como a nível europeu. Um sistema que dê voz às crianças e não que as silencie.