Confesso que tive alguma relutância em escrever sobre esta situação, porque me é muito emotiva, mas acabei por fazê-lo pois não podia deixar passar a oportunidade de vos convidar a reflectir sobre o assunto da dignidade animal – e da forma como o tratamos enquanto espécie!
Desde logo, este é mais um episódio a lamentar profundamente pois envolve a morte de centenas de animais por motivos, creio, pouco ou nada legítimos. Mas vamos a factos, nos dias 17 e 18 de Dezembro, 16 caçadores espanhóis abateram mais de 540 animais, na Herdade da Torre Bela, na Azambuja. No seguimento do caso, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) suspendeu a licença de caça na propriedade, por “incumprimento da gestão sustentável dos recursos cinegéticos e da biodiversidade”, e fez queixa ao Ministério Público por crime de danos contra a Natureza, segundo nos disse o presidente do ICNF, em audição na passada semana.
Entende este responsável que, não havendo em Portugal praticamente ecossistemas sem a intervenção humana, a caça é uma importante “actividade” para manter o seu equilíbrio. Daí que, quando o tema é a caça, um dos argumentos a favor seja invariavelmente a correcção da densidade das populações e a gestão de efectivos cinegéticos. Ou seja, um discurso através do qual se perpetua a visão antropogénica de que os animais são coisas, são meros recursos dos quais podemos e devemos dispor como se a sua existência não fosse válida por si mesma!
Outro facto, o qual não podemos ignorar, tem relação com a possibilidade de instalação de uma central fotovoltaica que estaria em curso precisamente na mesma zona. Ora uma quinta com cerca de 1100 hectares dos quais 775 receberiam um parque de painéis fotovoltaicos terá necessariamente de ver as suas populações de fauna e flora “corrigidas”. Terá sido esta montaria parte dessa “correcção”?
Este caso traz-me à memória o de Santo Tirso, não só pelo sofrimento animal envolvido como pela esperança que sejam espoletadores de uma reflexão mais cuidada sobre a vida animal e sobre as nossas acções e responsabilidades.
Mas se Santo Tirso foi uma tragédia – por descuido, negligência, uma situação possível também pela existência de uma máquina burocrática que leva a que tantas situações similares de acumulação de animais – o caso da Torre Bela mais chocante é pela sua forma premeditada! Para lá dos motivos em concreto que o possam ter originado, incontornável é perceber a consciência do desejo perverso da matança. E isso fica patente nas publicações que os seus perpetradores fizeram questão de fazer, vanglorizando-se da sua façanha; possível também pelo recurso a matilhas – animais treinados para acossar outros animais – e pelos muros que limitam a herdade. Falamos de uma morte extremamente violenta, à qual nenhum daqueles animais poderia fugir. No meu entender isto é cobardia!
Se, de facto, somos uma espécie de alguma forma mais inteligente, é urgente – há muito tempo que o é! – utilizarmos essa inteligência para uma verdadeira evolução, uma evolução que integre verdadeiramente a defesa e a manutenção da Vida e que tenha em conta a dignidade de todos os outros indivíduos como Seres sencientes com direitos próprios simplesmente porque existem…