Caro leitor, vou falar de um livro importante sobre a cidade do Sado, publicado e apresentado ao público recentemente. É o 3.º volume do projecto de investigação sobre a História de Setúbal, de Albérico Afonso Costa (1), que nos deu, em 2011, História e Cronologia de Setúbal (1248-1926), em 2014, Setúbal sob a Ditadura Militar (1926-1933), agora, Setúbal, cidade vermelha: Sem perguntar ao Estado qual o caminho a tomar (1974-1975). O 4.º e último será sobre o Estado Novo (1933-1974).
O autor tem uma obra historiográfica consolidada (essencialmente na área da História Contemporânea), assente em duas vertentes:
─ História do Ensino (de âmbito académico), com Salazar e a Escola Técnica (Dissertação de Mestrado) e FPA: A Fábrica Leccionada – Aventuras dos tecnocatólicos no Ministério das Corporações (Tese de Doutoramento);
─ História Local (algumas das suas obras cruzam-se com grandes momentos da História Nacional: Centenário da República; Fim da República e Golpe Militar de 28 de Maio de 1926; 40.º aniversário do 25 de Abril). Pertencem a esta vertente: Estudos Locais do Distrito de Setúbal, de 2011 (coordenou a colectânea e o II Encontro de Estudos Locais que lhe deu origem); Setúbal: Roteiros Republicanos, 2010; além das três referidas no início.
Esta obra e a anterior, que são o 3.º e o 2.º volumes da Cronologia de Setúbal (que pretende ir de 15 de Agosto de 1248 ─ data do início do culto na Igreja de Santa Maria, a mais antiga de Setúbal ─ até ao fim do Estado Novo), são duas «janelas» abertas na Cronologia (onde se descreve, brevemente, cada facto na sua data), para, através delas, lançar um olhar profundo e analítico sobre estes dois períodos da História Nacional (e sua evolução em Setúbal): a transição da República para o Estado Novo (1926-1933); o PREC (1974-1975).
O livro é composto por: Nota prévia e agradecimentos; Preâmbulo; Cinco Partes (I ─ As transformações da cidade nos tempos imediatamente anteriores ao 25 de Abril; II ─ O país que éramos no 25 de Abril; III ─ Setúbal e o país no decurso da Revolução; IV ─ O Poder Autárquico e a governação da cidade; V ─ A organização partidária, a imprensa local e a Igreja Católica); Síntese conclusiva; Cronologias de 1974 e 1975; Bibliografia e fontes; Lista de entrevistados; Siglas; Índice remissivo.
O autor diz que o trabalho foi uma árdua tarefa que lhe causou «inquieta apreensão e se revelou de uma dificuldade tão manifesta», devido às «memórias vivas cujos “proprietários” são testemunhas dos factos que se pretendem narrar e de que foram, simultaneamente, produtores e produto» e também ao «fulgor da descrição, os afetos e desafetos que geravam a reconfiguração dos factos», apesar de a investigação ter sido «um terreno fértil face à multiplicidade de testemunhos», de que resultou, contraditoriamente, «um exercício fascinante. Mas também uma atividade perigosa».
Afirma que desde os finais do século passado se está «perante um esquecimento legitimado e, mais que isso, programado» ─ o decretado fim da História ─ o que justifica o trabalho contra esse «deliberado planeamento do esquecimento», fazendo jus ao papel que Eric Hobsbawm atribui aos historiadores: «recordadores profissionais do que os seus concidadãos desejam esquecer».
Diz que trazer os «momentos fundadores e esquecidos [do período de 1974-1975] à casa da História é o intento fundamental deste livro. Porque é aí a sua morada.»
Quer as obras anteriores, quer este projecto de 4 livros continuam a tradição historiográfica da cidade, que tem estabelecido a sua História e ajudado a construir a sua identidade, com nomes, entre outros, de Almeida Carvalho, Manuel Maria Portela e Peres Claro. Para um período bem mais recuado (através da arqueologia), Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares têm-nos posto a nu (no sentido literal do termo) as provas enterradas do passado longínquo de Setúbal (e da vasta região até Sines).
(1) Albérico Afonso Costa é Professor Coordenador da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal.