As notícias veiculadas pela comunicação social, na semana passada, sobre o acolhimento de refugiados ucranianos pela Câmara Municipal de Setúbal enchem-nos de vergonha. Ficámos a saber que a LIMAR – Linha de Apoio aos Refugiados, criada pela Câmara Municipal para o acolhimento aos refugiados ucranianos, recorre aos serviços de uma associação de imigrantes russos com estreitas ligações à embaixada russa e a membros declaradamente pró-Putin.
O apoio prestado por esta organização consiste não só na tradução, mas também em práticas como fotocopiar documentos ou solicitar informação detalhada sobre os familiares que permaneceram na Ucrânia – práticas essas que não estão previstas nos protocolos seguidos, por exemplo, pela Câmara Municipal de Lisboa ou pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Esta situação, apesar do destaque que agora ganhou, já tinha sido denunciada no início de abril pela Embaixadora da Ucrânia e pela Associação de Ucranianos em Portugal.
Sucederam-se pedidos de esclarecimento, acusações e imputações de responsabilidades entre a Câmara Municipal de Setúbal, o Governo e o SEF. Na Assembleia da República, pela mão da Iniciativa Liberal, seguida de outros partidos – à exceção do PCP -, foi requerida uma audição a André Martins, presidente da Câmara Municipal de Setúbal.
É preciso saber-se, a nível legal e político, o que de facto aconteceu. Verificou-se uma recolha de dados de refugiados à margem da Lei? Se sim, quem foram os responsáveis? E com que motivo? Foi resultado de algo intencional ou apenas da falta de bom senso?
Com tudo o que já é do conhecimento público, assumo que o bom senso não terá sido abundante entre os decisores políticos do município de Setúbal.
Onde está o bom senso quando os refugiados de uma guerra são recebidos por pessoas, publicamente, conhecidas por apoiarem o regime autocrático do país que invadiu o seu? Onde está o bom senso quando a Câmara Municipal de Setúbal foi alertada para esta situação pela embaixadora e pelas associações de ucranianos e nada fez? Onde está o bom senso quando estes alertas foram feitos após várias denúncias de refugiados que expressaram publicamente o seu medo? Onde está o bom senso quando uma Câmara Municipal governada pelo PCP, partido que orgulhosamente, e só, transmite uma narrativa decalcada do Kremlin para justificar a guerra – já agora, um partido que não consegue assumir que a Ucrânia foi invadida e ainda tem o desplante de acusar o presidente ucraniano, um judeu de língua materna russa de ser… nazi?
A pergunta que vos deixo é a seguinte: se estivessem no lugar de um refugiado, o que sentiriam se, após terem fugido de um Portugal bombardeado, fossem recebidos, num país desconhecido e do qual nem sequer conhecem a língua, por aqueles que apoiam quem bombardeou as vossas casas ou matou os vossos familiares e amigos? Acham que os traumas que vivenciaram não apareceriam de novo? Não se sentiriam inseguros? Desconfiados?
Eu não tenho dúvidas sobre o que sentiria.