Quem vai ao mar avia-se em terra

Quem vai ao mar avia-se em terra

Quem vai ao mar avia-se em terra

9 Julho 2021, Sexta-feira
Bruno Dias

Esta semana o PCP realizou uma importante iniciativa de debate e também de proposta, acerca da produção nacional de embarcações e navios – o desenvolvimento do aparelho produtivo e do sector marítimo-portuário. A discussão partiu de uma preocupação: a situação da produção nacional de embarcações e navios. A reconstrução do aparelho produtivo nacional exige que se olhe para as diferentes fileiras produtivas e se veja, em cada caso, as suas relações e as potencialidades e necessidades nacionais.

Primeira ideia: não é a mesma coisa ir às compras ao estrangeiro ou organizar a produção em Portugal dos bens e mercadorias de que necessitamos. Veja-se o exemplo dos anunciados novos navios para a Transtejo. Em vez de comprar, o País podia e devia ter construído dez navios. Com o mesmo investimento reforçávamos o transporte fluvial e ainda reduzíamos o défice externo – e o défice de emprego com direitos! O investimento público, se bem direcionado, também contribui para a dinamização das atividades produtivas do sector privado de que o País também precisa.

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Outro exemplo gritante: o Arsenal do Alfeite, que está a pagar a fatura da sua “empresarialização” e passagem a SA. São os sucessivos governos que têm tratado de liquidar a capacidade da Marinha Portuguesa de proceder à reparação da sua própria esquadra. Adiam-se investimentos indispensáveis – como é o caso da Doca Seca ou da Ponte Cais – e depois gastam-se essas poupanças a comprar serviços no estrangeiro.

Temos a maior zona económica exclusiva na União Europeia; possuímos mais de mil quilómetros de costa atlântica; temos dois arquipélagos que constituem outras tantas Regiões Autónomas; temos portos com condições naturais excecionais, das águas profundas de Sines ao extraordinário estuário do Tejo; somos o terceiro maior consumidor mundial (per capita) de pescado. Apesar disso, o nosso défice comercial nas pescas é superior a mil milhões de euros!

Sobre o Mar, é preciso falar menos e agir mais. Começando por organizar e planificar a exploração dos nossos recursos piscícolas. A modernização da frota de pesca é uma prioridade: para aumentar a sua capacidade produtiva, mas também para melhorar a sua segurança e as condições de trabalho a bordo. E esse trabalho deve ser feito no essencial num conjunto de empresas e estaleiros nacionais, muitos dos quais de pequena e média dimensão, com importante expressão na Península de Setúbal.

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Entretanto, o País gasta em fretes aquilo que não investe na (re)construção de uma Marinha Mercante. A nossa Marinha de Comércio encontra-se reduzida a dez pequenos armadores nacionais, que operam com 49 navios próprios ou afretados, apenas 37 destes com bandeira nacional e, destes, pelo menos três operadores e 23 navios não são, de facto, empresas nacionais.

Identificámos um conjunto vasto de necessidades e possibilidades. Necessitamos de um rebocador de alto mar, de construir dragas capazes de dotar uma reconstruída empresa nacional de dragagens, de construir navios para as operações entre as nossas ilhas atlânticas, destas com o Continente e entre os vários portos nacionais, de nos equiparmos com barcaças para a cabotagem fluvial, de substituir os navios fretados que nos nossos portos asseguram as operações de abastecimento, e tantos outros exemplos.

Quem ouve PS e PSD a falar de reindustrialização e dos objetivos da UE às vezes até parece que mudaram o discurso. Que é preciso reindustrializar o País. Mas vamos ao concreto: está o Governo disponível em apostar na reconstrução do aparelho produtivo nacional de embarcações e navios?

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Está o Governo disposto a investir na construção das embarcações e navios necessários a Portugal, e na reconstrução do aparelho produtivo nacional, ou vai continuar a limitar-se a comprar o que a União Europeia lhe autorize comprar, da forma e a quem esta autorizar?

Uma questão não menos importante, em particular em áreas e sectores tão importantes e estratégicos para o País, é o da valorização do trabalho e dos trabalhadores. Os trabalhadores, em particular os mais jovens, na indústria naval, sabem bem o que é a praga da precariedade e da ameaça do desemprego. Quando só o trabalho produz riqueza, é imprescindível lembrar que o emprego com direitos tem de ir no mesmo barco do desenvolvimento e da soberania.

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