Respondendo espontaneamente ao convite endereçado pela nova directora do Agrupamento de Escolas de Azeitão à comunidade educativa, no sentido de se proporem nomes dignos de figurarem como seu patrono, a 28 de Janeiro do ano passado um grupo de cidadãos enviou ao presidente do Conselho Geral do Agrupamento dessa instituição uma proposta referente à reposição do nome de Frei Agostinho da Cruz (1540 – 1619) como referência dessa instituição de ensino. O documento foi enviado pela Associação Cultural Sebastião da Gama que, não sendo autora dele, o assumiu em pleno. Passo a transcrever as suas alegações, a que tive acesso por ser um dos seus subscritores.
“Frei Agostinho da Cruz (1540 – 1619) – um dos mais importantes e conhecidos poetas portugueses dos séculos XVI e XVII, colocado por vários autores no mesmo patamar onde está Luís Vaz de Camões – viveu na freguesia de Azeitão uma parte importante da sua vida, faleceu em Setúbal e encontra-se sepultado no Convento da Arrábida, no qual foi frade franciscano.
Ao ser fundada, em 1973, uma escola preparatória em Vila Nogueira de Azeitão, foi escolhido para seu patrono este poeta, tendo em conta a sua importância em todo o país, a sua marca inapagável na identidade local e regional e, ainda, a sua ligação indissolúvel ao poeta Sebastião da Gama (1924 – 1952), que o considerava seu “irmão”.
Infelizmente, a dado momento a evocação de Frei Agostinho da Cruz como patrono da Escola Preparatória foi eliminada. Ainda hoje, o Agrupamento de Escolas de Azeitão permanece sem patrono, ao contrário da esmagadora maioria das instituições público de ensino envolventes.
Partindo destes pressupostos e considerando
- a importância da poesia de Frei Agostinho da Cruz na literatura portuguesa,
- o facto de ainda manter um amplo leque de leitores, muito diversificado, marcando até aos dias hoje grande influência transversal, junto de crentes e não-crentes,
- a sua ligação importantíssima à Serra da Arrábida, ao seu Convento, a Azeitão e a toda a Península de Setúbal,
- a admiração que gerou num muito numeroso grupo de escritores e poetas, entre os quais se contam alguns dos mais importantes autores do século XX, como Teixeira de Pascoaes, José Régio, Sebastião da Gama e José Afonso (Zeca Afonso),
- o facto de ter sido um resistente contra a Inquisição, defendendo a liberdade como valor inalienável,
- a importância do seu pensamento, nomeadamente no que respeita à ecologia integral,
- e o exemplo da sua vida, capaz de promover, junto das novas gerações, uma aprendizagem ética e sensível à beleza natural e artística,
propõem os signatários que o Agrupamento de Escolas de Azeitão adote como seu patrono o poeta Frei Agostinho da Cruz, recuperando o nome da Escola Preparatória de que é herdeira.”
Foi primeiro signatário da proposta o cardeal D. Américo Aguiar, bispo de Setúbal. Mereceu a assinatura de mais 97 pessoas, entre as quais se contaram, por exemplo, a Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Azeitão, a ex-Presidente da União de Freguesias de Azeitão, o Presidente da Associação Cultural Sebastião da Gama e vários membros da sua direcção, alguns organizadores do Círio de Azeitão, a Presidente da Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão (LASA) e outros membros desta associação, os párocos ao serviço dessas terras, a Presidente da Pastoral da Cultura de Setúbal, o responsável pela Comissão Diocesana de Arte Sacra, vários professores do Ensino Básico, Secundário e Superior, encarregados de educação de alunos do Agrupamento, ex-alunos da instituição em causa, poetas, escritores, ensaístas, jornalistas, historiadores, artistas plásticos, sindicalistas, advogados, empresários, médicos, enfermeiros, aposentados, gente de esquerda, da direita e do centro, etc., etc..
Só depois de alguma insistência, os proponentes conseguiram ter alguma reacção à sua proposta. Ficaram, então, a saber que os órgãos do Agrupamento de Escolas de Azeitão a rejeitaram, alegando, nomeadamente, que a figura de Frei Agostinho da Cruz é “pouco abrangente”. Na mesma ocasião, segundo se soube, também foi rejeitada uma outra proposta, que desejava dar à instituição o nome “Serra da Arrábida”.
Quando soube do sucedido, fiquei estupefacto, tratando-se de uma instituição de ensino que também deveria ser de cultura, estando em causa um organismo público que deveria zelar pela valorização e promoção entre as crianças e jovens dos valores locais mais importantes, nomeadamente aqueles que têm expressão nacional e até internacional.
Recordei-me do passado, do tempo em que Frei Agostinho foi rejeitado por gente da mesma casa. Alegava-se que não era digno ter ali como referência “um padre” (espantemo-nos), mesmo sendo a sua poesia e a sua postura cívica tão importantes e reconhecidas. Pela mesma época, também se alegou que o nome de Zeca Afonso deveria ser posto de parte, porque era indigno ter ali “um comunista” como patrono (pasmemo-nos), apesar de ter sido professor nessa realidade escolar.
O cantautor José Afonso apreciava bastante Frei Agostinho da Cruz e a sua poesia, tal como ficou provado num livro de Albérico Afonso Costa. Infelizmente, no tempo cinzento e inculto em que vivemos, há quem tenha medo do poeta arrábido, talvez por ter proclamado nos seus versos não haver “melhor manjar que liberdade”.